[TIRADENTES2025] DEBATE "QUE CINEMA É ESSE?"
[COBERTURA DA 28a. MOSTRA DE TIRADENTES 2025]
COMENTÁRIOS SOBRE O DEBATE “QUE CINEMA É ESSE?”
Um momento marcante – eu diria,
inesquecível – desta edição da Mostra de Tiradentes foi o debate “Que cinema é
esse?”, realizado no Cine-Teatro ontem (25/01) às 17h. A proposta era
reverberar o tema lançado pela curadoria, estimulado por um texto escrito por
Julio Bressane em 1993 em que expressava que a vocação do cinema brasileiro era
ser experimental. “Ou o cinema brasileiro é experimental, ou não é nada”. Tomando
esse ponto de partida e a fala de abertura da mediadora Lorenna Rocha, a mesa
promoveu um encontro de gerações, com Bressane e Hernani Heffner, de um lado, e
Rodrigo Lima e Darks Miranda, de outro – se é possível falar em “lados”, pois
os diálogos entre os quatro foram mais fluidos do que essa divisão inicial.
Bressane abriu com uma daquelas falas
inspiradoras, em que os elementos performáticos – os tempos, o timbre de voz,
as pausas, os momentos em que, contaminado por uma súbita energia, seus olhos
se arregalavam e seu corpo se flexionava – contribuíram tanto quanto as ideias –
maravilhosas – que ele expressou. Como “relâmpagos de críticas”, usando o termo
de seu mais recente filme (que será exibido hoje), por vezes Bressane era
tomado por momentos de iluminação. São muitos fragmentos na sua fala, mas se
for possível resgatar dois momentos seriam em torno da ideia de que, para Bressane,
o que interessa não são propriamente os filmes em si, mas o que se desvela por
trás deles, o cinema. É o cinema o que se expressa por vezes por trás das
camadas dos filmes – e parece que as pessoas hoje se interessam muito mais
pelos filmes em si do que pelo cinema. Bressane também afirmou que mais
importante do que a trama é a textura – e essa textura, como relâmpagos,
revelam esse cinema por trás das imagens. Para isso, utilizou alguns exemplos,
como Exemplo regenerador, de José Medina.
Rodrigo Lima, parceiro de
Bressane em seus últimos trabalhos, contou sobre o processo de parceria com
Bressane e o papel da montagem nesse processo. Lima afirmou que precisamos
atuar a desconstrução por dentro da montagem e que isso possui um sentido
político. Lima se apresentou como parte de uma geração da fronteira entre o
analógico e o digital, e que sua geração é a que está na última curva da
modernidade, ainda no analógico. E explicou melhor o título do recente filme
que realizou com Bressane, a partir de uma frase de Fernando Pessoa em torno
dos relâmpagos de críticas, murmúrios de metafísica.
Já Darks Miranda concordou com
Bressane que o cinema é uma atividade muito difícil, e que sempre se questiona
se o que faz é cinema, e até que ponto se deve prosseguir. Então, Darks, a
partir de artigo de Commoli, afirmou que o cinema é monstruoso, e que o caráter
monstro do cinema se expressa sobretudo por meio da montagem. A partir do conceito
de sutura e uma analogia com Frankenstein, defendeu o papel da criação e da
montagem como aquela que reúne pedaços de carne para dar vida a um projeto
monstruoso. Bressane complementou que o cinema é monstruoso porque surge do
excesso da vida, do que dela transborda, e nisso a montagem é fundamental para
dar vida a esse projeto.
Por fim, Hernani Heffner
apresentou uma abordagem diametralmente oposta. Enquanto Bressane demarcou que
o cinema era um projeto intangível, invisível, Heffner, a partir de sua
experiência como preservador, abordou o cinema do ponto de vista da matéria, do
tangível. O cinema é uma matéria que está sempre a se deteriorar. A textura de
que fala Bressane varia segundo o surporte físico do filme. Seu estágio de deterioração
e as cópias disponíveis influenciam diretamente a percepção do que é o filme.
Ainda, Heffner defendeu a ideia de que não se trata da perda de aura em relação
ao formato original, mas a mudança de suporte faz com que o filme se torne
outra coisa, não necessariamente pior, mas sujeito a outras experiências e
percepções. Um filme visto em VHS abre outras camadas de sentido do que um filme
em 35mm, e que um não necessariamente é pior do que os outros. Se, de um lado, mesmo
as técnicas de restauração não tornam mais possível ver aquela luz encantadora
de Mário Peixoto em Porto das Caixas (que é a lembrança mais forte de Heffner em
relação ao filme), por outro lado, Godard construiu sua História do Cinema a
partir do acesso a cópias de filmes no formato de VHS, e que reelaborou um
discurso sobre o cinema a partir das cópias que estabam disponíveis.
As abordagens, aparentemente
opostas, acabaram como complementares, bem assinaladas por um membro do
público, que fez a única pergunta do debate: o cinema é intangível mas também
matéria física concreta. E, assim, esse grande debate se concluiu como um
percurso do espírito à carne.
Algumas das frases de Bressane:
- Os espectadores estão
sensíveis ao filme mas insensíveis ao cinema
- O cinema é invisível mas,
quando menos esperamos, ele se revela.
- Vivemos sob a escravidão do
salário
- O cinema começou no sarcófago
- O conceito de transpassabilidade
- Precisamos sentir com um outro
sentido
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