LEME DO DESTINO

LEME DO DESTINO

de Júlio Bressane


O divino e o profano. O perverso e o infantil. A carne e o espírito. A razão e o instinto. O cinema e a vida. O amor. São os temas do cinema de Bressane. São os temas de sempre e ao mesmo tempo se renovando, como as ondas de um mar. Ou como Cézanne olhando uma vez mais para a mesma montanha. Quem sabe o que se passa em um intervalo de suspiro entre o desejo e a imaginação? Por um cinema de poesia. Pela insistência na capacidade de sonhar.

É muito tentador ver Leme do destino como uma composição entre Garoto e Filme de amor, entre Beduíno e Educação Sentimental. Mas curiosamente fiquei pensando como o cinema de Bressane tem em comum com o cinema do Khouri. É até curioso pensar isso pois são dois cineastas a princípio antípodas. Mas, por meio de caminhos tão distintos, esses dois cineastas exerceram, de forma radical, uma pesquisa cinematográfica em torno dos descaminhos do desejo e da imaginação nos corpos femininos. Cada um à sua maneira, foram radicais em levar sua filmografia adiante, por meio de um desenho de produção possível. Foram fieis aos seus princípios.

Se fosse tocado por outro regime de produção, Leme do destino poderia ser uma pornochanchada brasileira dos anos 1970. A política do desejo se revela na sua faceta mais sacana e mais pueril. Um cineasta na maturidade abrindo a caixa de brinquedos. Um filme sem manuais, que não precisa provar nada a ninguém. Não precisa convencer ninguém da sua necessidade ou da sua beleza. Essa é a liberdade e é também a política desse filme.

Adoro os movimentos de câmera desse filme. Eles nos levam com precisão a um lugar que é inventado pelo campo do cinema. O movimento nesse filme dispara a invenção de outros lugares possíveis, de espaços e de corpos – um movimento precisamente marcado mas ao mesmo tempo livre.

Se podemos pensar num filme contemporâneo à moda de Agamben, é esse aqui, porque aparentemente parece estar fora do seu tempo – fora das supostas pautas de urgência, buscando uma outra temporalidade e outras pautas, a partir de suas próprias regras e lógicas, as “regras do jogo” do cinema e do amor.

É um crime que este filme não tenha sido lançado comercialmente em salas de cinema no Brasil. Esse fato diz muito sobre a condição do mercado de salas em que estamos vivendo.

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Eu poderia escrever um artigo apenas sobre o plano pós-créditos. Metalinguagem tão presente em vários filmes do Bressane. Ao mesmo tempo, um “filme-posado” como um retrato de família dos filmes brasileiros do primeiro cinema. E, por fim, um plano à la Sharon Lockhart que me parece uma versão contemporânea de A saída dos operários da fábrica Lumière.

  


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