AMADOR
Amador
Camera Buff / Amator
Kzrzsztof Kieslowski
1979
Vejo Amador, um filme de 1976
filmado por Kieslowski na Polônia comunista e penso em possíveis
relações/lições para o Brasil de hoje. Penso, também, no mote de Calma (1976/1980):
o mesmo Stuhr é um trabalhador que quer apenas uma casa, uma esposa, um
trabalho, nada mais. Amador começa com a chegada da filha: a cereja do bolo que
falta para preencher a ideia da institucionalização da vida social.
Mas,
com todas essas necessidades básicas supridas, o trabalhador percebe que ele
precisa de algo a mais. O cinema traz isso para sua vida, com todas as dores e
delícias, toda a sua ingenuidade e todo o seu compromisso. Stuhr não quer ser
um artista, ele quer apenas filmar as coisas que se movem, mas acaba percebendo
que, mesmo que não se faça um filme político, a política está em tudo o que se
move. (Ainda assim, Kieslowski insiste em afirmar até o fim que o artista deve
ao máximo afastar a política de seus filmes). Stuhr a princípio reluta, mas
depois prossegue fazendo filmes. Um circuito de reconhecimento: o prêmio num
festival o leva para Vasóvia, o apoio de uma crítica de cinema (o papel da
curadora), o encontro com Zanussi, com o diretor do canal de televisão. As
resistências de seu chefe quanto ao que ele mostra. Etc.
Stuhr comprou a câmera para
filmar sua filha, mas à medida que passa, ele se afasta cada vez mais dela e de
sua família, de seu sentido de “normalidade”. Quando mais Stuhr quer filmar a
vida, mais ele se afasta de sua própria vida. Sua família passa a ser o cinema
e toda a série de compromissos sociais que dele resultam.
Quando Stuhr finalmente consegue
um tipo público de reconhecimento e seu filme é exibido no canal de televisão,
Kieslowski fecha seu cerco sobre seu personagem e sua mulher a abandona. Stuhr
também percebe que seu filme gerou uma série de repercussões na política local,
afetando seus amigos e protegidos.
Antes, há uma subplot que insere
uma questão ética. Seu amigo revê as últimas imagens de sua mãe, a que ele
prefere a estar em seu enterro. São essas as imagens dela que ele quer
preservar consigo. O que seria o cinema, o que as imagens podem diante do
mundo?
Kieslowski filma tudo com uma
ansiedade crua quase documental, cheia de cortes bruscos, com uma profunda ironia
como método: um personagem clownesco ingênuo diante das artemanhas do mundo, em
direta continuidade com o estilo de Calma. Essa ingenuidade e essa curiosidade irão
conduzir o protagonista do sucesso inicial para situações de contorno ético delicadas,
em que no final ele ficará completamente sozinho (no caso de Amador, sua única
companhia será a câmera-como-espelho).
Pois, apesar de ser ingênuo,
Kieslowski não é romântico, e seu filme não oferece nenhuma resposta
conclusiva. O cinema não é a solução de nada na vida desse personagem, nem
social nem individual. A arte não traz nenhum tipo de salvação ou redenção,
pessoal ou coletiva. Assim como o intelectual de Zanussi, o artista de
Kieslowski é solitário – a iluminação é parcial, e, no fim, ele estará quase
pior do que no início. O cineasta permanece de frente com a câmera, tentando
ser honesto com a sua própria verdade – e, para Kieslowski, isso parece bastar
(solução provisória).
Um belo dia alguém diz a um operário que ele pode filmar. E que ele tem talento, que deve prosseguir, uma promessa de futuro. Até que ponto essa esperança de talento é uma liberdade ou é uma maldição?
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