ONDE ESTÃO OS SONHOS DE JUVENTUDE?

ONDE ESTÃO OS SONHOS DE JUVENTUDE?

Yasujiro Ozu

Seishun no yume ima izuko (Where now are the dreams of youth?)

1932

 


               É curioso descobrirmos que esse maravilhoso filme da fase silenciosa de Ozu foi produzido como um mero entremeio, um filme barato para compensar o estouro do orçamento de um filme anterior, que hoje está perdido. Assim, Ozu, com a ajuda de seu velho companheiro Kogo Nada, escreveu uma história bem situada em sua zona de conforto: o “filme de estudante”, com base em um livro que rendeu uma peça teatral no Japão, da mesma base que gerou O príncipe estudante, de Lubitsch. Ao mesmo tempo, esse filme foi filmado logo depois de Eu nasci mas..., e já comprova o início de maior maturidade de Ozu a partir dos anos 1930.

               É possível dividirmos o filme em duas partes: na primeira, o protagonista é um estudante; na segunda, o diretor da empresa. O jovem precisa crescer, e a transição é mostrada por meio de uma descontinuidade abrupta, como marca do destino: o então jovem recebe a notícia da morte do seu pai, e precisa sair da Universidade e assumir o comando da empresa.

               A primeira parte do filme é filmada aos moldes de uma screwball comedy típica do cinema de Ozu do final dos anos 1920, especialmente as travessuras dos alunos nos corredores e intervalos das aulas e sua tentativa de colar em uma prova.

Mas a segunda parte mergulha no drama que é prenunciado pelo título. O jovem precisa crescer, tornar-se adulto e responsável, e assim abandonar sua inocência. Penso que esse filme de Ozu enfrenta um desafio muito próximo a um filme que admiro muito, O último americano virgem (Boaz Davidson, 1982): o início nos dá a impressão de um filme leve, uma high school juvenil mas aos poucos o filme vai inesperadamente ganhando uma conotação densa sobre a inevitabilidade de envelhecer, e como isso representa lidar com o fim dos sonhos. Em um momento, a mãe de um dos ex-estudantes diz “a vida está ficando mais complicada, não é mesmo?”

Por ser o dono da empresa, o protagonista não consegue mais estar tão próximo dos seus antigos colegas de escola, agora seus funcionários. Um deles, nesmo tímido e pobre, acaba conquistando a mulher dos sonhos do amigo empresário. Ela não poderia imaginar que o agora empresário permaneceria mantendo seus sentimentos para com ela, e decidiu aceitar viver com Saiki.

Há então uma sequência antológica que reúne os quatro ex-amigos numa caminhada pela estrada, quando Hirono interpela Saiki por ter se aproximado de Oshige, mesmo sabendo dos seus sentimentos. Nesse momento, único em sua filmografia, parece que Ozu se aproxima de Ford: as tensões entre os antigos amigos se transformam em violência física, e Hirono começa a esbofetear seguidamente um impassível Saiki, que só se desculpa e agradece por Hirono ter a generosidade de oferecer-lhes um emprego mesmo diante de toda a crise. A diferença social de classes causa uma fissura profunda na possibilidade de perpetuação dessa amizade. Como em um filme de Ford, os personagens masculinos vão resolver suas dificuldades afetivas saindo no tapa, numa catarse quase orgiástica, dirigida por um cineasta que sempre foi extremamente respeitoso em relação às distâncias emocionais e ao contato do corpo.

No entanto, Ozu, desde cedo, não era um Naruse nem um Shimazu: seu desfecho profundamente ético abre o caminho para que esse recém-casal de classe média baixa encontre sua felicidade possível, mesmo diante de um Japão fraturado e em crise, a caminho de uma grande catástrofe.

 

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