IN FRONT OF YOUR FACE, de Hong Sang Soo: as impermanências do presente
IN FRONT OF YOUR FACE, de Hong Sang Soo: as impermanências do presente
1.
Há um ditado popular
que sempre me causou grande incômodo: “em time que está ganhando, não me mexe”.
Seja no futebol seja no cinema, é claro que se deve mudar. No futebol ou na
estratégia do mundo corporativo, porque é preciso antecipar: não se pode
esperar até perder para só então ter a coragem de mudar. No cinema ou nas artes,
porque o mundo está sempre girando e mudando, então é impossível manter-se
parado. Lembro de grandes artistas que, no auge do neorrealismo italiano,
tiveram a coragem de mudar, porque simplesmente o mundo já era outro e exigir
uma nova atitude do artista: Visconti com seu Senso (1954); Rossellini com
Viagem à Itália (1954) – dois filmes que fugiam do protótipo do neorrealismo
para buscar uma outra relação de escrita cinematográfica, outro engajamento com
o mundo. Visconti, algum tempo depois, abriria O Leopardo (1963) com a frase do
romance de Lampedusa: “Algo deve mudar para que tudo permaneça como está.”
De fato, há os que dizem que os verdadeiros artistas
são aqueles que estão sempre a refazer a mesma obra, a escrever o mesmo livro.
Mas, se assim o fazem, a ponto de terem, ao final de suas carreiras, uma única obra,
eles estão a reescrever o mesmo livro mas de formas diferentes. Ainda assim, desconfio
um pouco dessa abordagem. Quando penso em cineastas que são conhecidos pela sua
unidade estilística, como Ozu e Straub-Huillet, vejo que, ao longo de suas
carreiras, foram construindo um lento mas perceptível caminho de
amadurecimento, que, nesses casos, envolveria uma espécie de depuração. O que
me interessa na trajetória desses artistas não é que eles repetiram o mesmo
filme para reiterar ou legitimar um certo estilo, mas, ao contrário, como sua
trajetória afirma uma ideia de movimento.
2.
É por esse gesto (o movimento) que começo este texto
sobre os últimos filmes de Hong Sang Soo, um cineasta que vem sendo cada vez mais
reconhecido no cenário mundial pelo reconhecimento de seu estilo particular. No
entanto, o que busco apontar é que, para além das marcas mais reconhecíveis do
seu cinema (o zoom in, o cinema de conversa de bar, os jogos formais narrativos
metalinguísticos, a suposta aproximação com Rohmer, etc.), perdura um lento e
gradual movimento. Fazendo uma analogia com seu cinema rs, digamos que seria um
movimento de zoom in (um movimento que não é natural, mas ótico) mas que,
curiosamente, ao invés de fechar, areja seu cinema para as impermanências do
mundo.
Escrevo isso com a tranquilidade de quem nunca foi
grande fã ou particular admirador da obra de HSS (ver aqui).
Mas seus últimos filmes me parecem notáveis justamente por esse movimento. É
sempre difícil, ainda mais tendo em vista as sutilezas desse cineasta,
identificar um ponto de ruptura, mas eu diria que esse gesto se tornou mais
visível a partir de A câmera de Claire (2017). Esse filme areja seu cinema
aprofundando, de forma mais radical, dois pontos que já eram vistos em seus
filmes anteriores, mas aqui se aprofundam devido a um movimento duplo: de um lado,
a busca por um modo de produção cada vez menor; de outro, a incorporação mais radical de uma “dramaturgia
do comum”. A câmera de Claire foi filmado em poucos dias simplesmente em meio
ao Festival de Cannes, quando HSS estava lá apresentando outro filme. Quem
imagina o aparato de produção de um filme do mercado de arte europeu e quem
imagina o que seja o frenesi do Festival de Cannes, deve achar que essa tarefa
é impossível. Lembro que há anos atrás o paraibano Taciano Valério quis fazer
um filme durante a Mostra de Tiradentes em 2013 com as pessoas e atores/atrizes
que encontrou por lá. Nos bastidores, mesmo sendo em um festival arejado como
Tiradentes, muitos zombaram de seus métodos semiamadores. Terminou fazendo o
notável Pingo d´água, selecionado em 2014 para o Festival de Brasília. Evidentemente
não quero comparar Valério com HSS mas apenas sugerir o espanto desse gesto, na
direção do que seria um suposto amadorismo, uma ruptura com os métodos
industriais de planejamento e composição da equipe na produção profissional de
cinema.
Os filmes de HSS se apresentam como cada vez “menores”,
e esse tamanho também está relacionado com seus métodos de produção. Reduzir o
aparato dos equipamentos e da equipe cinematográfica, reduzir todos os rastros
que poderiam passar ao espectador a ideia de um “esforço de produção”, de algo importante,
extraordinário e notável. Soar trivial, caseiro, de garagem, quase semiamador. Não
primar pelo belo mas também não procurar a feiura (como diria Guiguet sobre os
filmes de Pialat, ver aqui).
Em seus dois últimos filmes (neste e em Encontros/Introduction),
HSS faz a função do próprio diretor de fotografia e opera a câmera, inclusive a
execução de seus delicados e precisos zooms – alguns passaram a ter alguns
pequenos problemas de execução técnica, como tremer um pouco ou perder um pouco
do foco. Mas essa precisão parece não importar tanto ao veterano realizador do
que a possibilidade de fazer ele mesmo a câmera, tendo menos pessoas nos
pequenos lugares fechados que ele geralmente filma – apartamentos e bares,
especialmente.
Nesse sentido, a produção semicaseira que aborda os problemas
de relacionamento se aproxima um tanto do mumblecore norte-americano. No
entanto, enquanto muitos dos realizadores do mumblecore radicalizam a ideia de
improviso buscando um roteiro à medida em que ele é filmado, inclusive com os próprios
atores, inspirado pelo método Cassavetes, em HSS a busca por uma narrativa
estrutural é mais visível. Ainda que um certo sentimento do comum preencha o
filme, existe uma forte presença de uma construção visível dos aspectos
narrativos ficcionais, inclusive com jogos ou dobras narrativas que conferem ao
filme sempre uma certa ironia fina. É esse ponto que muitas vezes me causava um
incômodo até mesmo ético, quando HSS parecia um demiurgo, como um pequeno deus
que exalava um certo prazer em manipular o destino de seus frágeis personagens.
De qualquer forma, há muitos que reconhecem uma certa beleza nisso.
Mas em seus últimos filmes, especialmente a partir
de A câmera de Claire, percebo um certo movimento na filmografia de HSS em
arejar seus jogos formais, inserindo de forma mais ambígua uma presença do
prosaico. Não é que esses pontos não estejam presentes em sua filmografia
anterior, mas intuo (uma percepção intuitiva) um movimento de aprofundamento,
de modo que as dobras narrativas ou metalinguísticas se fundem de forma mais
orgânica à presença do prosaico e do banal, como se a impermanência fecundasse
o cinema estrutural levando-o a um amálgama mais complexo.
Esses são os dois sentidos complementares desse certo
movimento para o “menor”.
3.
In front of your face (2021), assim como em A mulher
que fugiu (2020), são dois pontos notáveis nesse movimento para o menor na já extensa
filmografia de HSS. A narrativa estrutural ali permanece visível em seus atos e
dobras metalinguísticas: o paralelo entre a primeira e a última cena, as dobras
dos jogos formais entre a protagonista e sua irmã e a protagonista e o
cineasta, a presença do cinema, as ironias do destino, etc. Mas, ao mesmo
tempo, há algo que aponta para a busca de certa fenomenologia da presença e dos
pequenos gestos que apontam para a impermanência da vida diante da estrutura
formal.
O primeiro ponto pode ser visto pela ênfase na
duração, pela importância dos planos sequência, e também pela presença dos
pequenos gestos irrepetíveis dos corpos: a forma como se fuma um cigarro, um
breve movimento de cabeça, uma meia pausa antes de responder uma pergunta – HSS
parece cada vez mais atento à beleza prosaica desses pequenos gestos, de modo
que, se seus filmes são sempre muito verbais, uma boa experiência seria vê-los
sem legendas, e perceber como seus personagens também se expressam por seus
corpos, algo sempre delicado e difícil quando se trata da cultura oriental,
ainda que a Coreia do Sul não seja o Japão.
O segundo ponto é como a própria narrativa se abre a
momentos lacunares, respiros de entremeio, pequenas peças que se inserem
justamente para desestabilizar a presença de um jogo narrativo estrutural. Esses
são talvez os mais belos momentos desse filme de HSS. A maneira como a protagonista
acende um cigarro embaixo de uma ponte no parque, equilibrando-se entre as
pedras. Ou ainda, os programados desencontros. As duas irmãs não encontram o
sobrinho na loja e ficam a beliscar algo e a dividir uma lata de refrigerante,
apesar de a atendente ter trazido duas. O aviso que o cineasta irá se atrasar e
a necessidade de refazer o caminho até a antiga casa. A forma como a protagonista
se abaixa do galho da árvore para ir ao fundo do quintal e seu certo
desconforto ao beber o chá em pé. A forma como ela sobe as escadas para o andar
de cima da antiga casa. A forma como o cineasta bêbado segura o guarda-chuva.
E, especialmente, o grande momento em que a protagonista toca violão logo antes
e depois de justificar ao cineasta porque não pode aceitar o convite. O
cineasta justifica de forma muito bonita porque quer fazer o convite, baseado nos
pequenos gestos humanos de seus filmes antigos que tanto o sensibilizaram. Talvez
seja um delírio de minha parte, mas vejo que ela não pode aceitar porque ele
está apaixonado pela imagem do que ela foi um dia, não pelo que agora ela é.
Depois de bebidas e confissões, por um momento, o
cineasta de HSS ensaia a possibilidade de fazer um filme-de-garagem em regime
de urgência: viajar um diretor e uma atriz (dois amantes) para viver e filmar,
amar e amar. Mas, na manhã seguinte, esse parece ser um mero sonho infantil de
duas crianças bêbadas, pois é certo que não se deve viver ou fazer cinema
assim. A mensagem é de uma despedida, mas ela reage de forma leve. Ela ri. Ela ri, e temos a impressão de que a vida é pura ilusão. Há
sempre o dia seguinte. Lembramos que a irmã não contou a ela o seu sonho na
noite anterior, e que provavelmente está de novo a sonhar. Os surrealistas
diziam que a vida ideal é aquela que podemos dormir durante 23 horas e viver
durante 1 hora – ou algo assim rs. É curioso que HSS realize um filme tão
prosaico, tão prenhe de uma dramaturgia do comum, habitado por um desejo
surrealista. Por um certo momento, desconfio se a protagonista está mesmo
doente. Não importa. De todo modo, ela não sofre, há um desejo profundo de
viver o presente, sem as mágoas familiares do abandono do passado, nem a
expectativa de futuro em retomar a carreira da atriz. “Pode ser divertido”. Apenas
um desejo profundo de viver os “breves lampejos de beleza” (como diria Mekas), as
epifanias impercebidas do cotidiano, de filmar as impermanências do presente
antes que ele se vá – e isso é fugaz. Tudo são pequenos momentos, nada mais. A
juventude inesperada do veterano HSS é esse seu caminho contínuo em direção a (ou
seja, um movimento) uma aposta cada vez mais radical, ao mesmo tempo cada vez
mais discreta, para um modo de filmar e um modo de ser cada vez “menores”, na
contramão da aceleração e da competitividade desenfreadas do capitalismo
contemporâneo e do mercado de vaidades do cinema, na contramão da imposição das
pautas de urgência, mas apontando para esse gesto de potência do presente, esse
encantamento com as imperfeições do mundo por meio de uma leveza que ao mesmo
tempo traduz uma melancolia, uma sensação de que tudo passa, ou que, na falta
de termo melhor, traduzo por uma expressão típica da cultura oriental, esse
certo “mono no aware”, uma consciência extrema da nossa finitude.
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