[Fest Aruanda] Um balanço

16º Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro: um balanço



Entre os dias 09 e 15 de dezembro ocorreu a 16ª edição do Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro, realizado na Sala Macro XE do Cinépolis Manaíra Shopping, em João Pessoa. A realização deste Fest Aruanda aconteceu entre vários desafios, desde a reabertura das salas de cinema nesse “aparente-pós” pandemia e a realização concomitante de diversos festivais de cinema no mês de dezembro (concomitância bastante problemática para o circuito de eventos e para o cinema brasileiro independente, o que mereceria uma análise à parte).

Parecia um tanto estranho presenciar as sessões no shopping Manaíra dentro de um multiplex que, em geral, é avesso ao cinema de invenção brasileiro. Assistir a Capitu e o Capítulo, de Júlio Bressane, em uma sala de cinema de shopping, foi uma das experiências ímpares deste festival. Há aspectos negativos mas também positivos nessa opção, pois ocupar também pode ser uma forma de resistir. Além disso, a sala Macro XE, com sua enorme tela e poltronas confortáveis, proporcionava um padrão técnico de imagem e som bastante superior à média das projeções em festivais de cinema no País.

            Na sessão de encerramento, houve um momento curioso que resume essas contradições. As filas no multiplex estavam lotadas. De um lado, a sessão de encerramento do festival estava bastante concorrida, com a presença de Ney Matogrosso para prestigiar a exibição do doc Ney à flor da pele e o lançamento de sua biografia, escrita por Julio Maria, além de outros convidados e homenageados. Ao mesmo tempo, nas salas ao lado, as filas se multiplicavam pois era o dia da estreia do novo Homem-Aranha. Ver, lado a lado, Ney Matogrosso e o Homem-Aranha disputando espaço nos cinemas junto ao público, me despertou a sensação de que é preciso ocupar as telas dos nossos cinemas, sejam onde eles estiverem.

Por outro lado, foi triste presenciar, nos dias anteriores, as salas do multiplex bastante vazias. Fora as sessões do festival, que tiveram, com algumas exceções, bom público, as outras salas do multiplex estavam completamente vazias, o que demonstra a dificuldade dos cinemas nesse retorno ao funcionamento normal nesse suposto pós-pandemia.

A realização deste Fest Aruanda contou com a presença de convidados e de debates que enriqueceram a edição. Entre eles, destaco a homenagem ao ator Othon Bastos e à montadora Cristina Amaral. Ainda, o curador Amilton Pinheiro conseguiu a enorme proeza de trazer o circunspecto Júlio Bressane para a sessão presencial em João Pessoa. Houve um debate com a presença de Bressane e Bastos que foi um dos momentos históricos deste festival. O cinema paraibano também foi considerado, com uma homenagem aos 20 anos do curta A canga, de Marcus Vilar, e aos 50 anos de O país de São Saruê, de Vladimir Carvalho. O estado precário da cópia exibida do importante curta de Vilar nos alerta para a importância da preservação de nossos filmes, ponto sempre destacado pela pesquisadora Marília Franco, presente ao evento. Um debate sobre o futuro das salas de cinema nesse cenário pós-pandemia e com a concorrência dos streamings teve a rara presença (virtual) do presidente da Cinépolis Brasil, Luiz Gonzaga de Luca.

A curadoria de Amilton Pinheiro procurou equilibrar homenagens e filmes de veteranos, como Julio Bressane, com primeiros filmes, como Madalena, de Madiano Marcheti. De fato, na competição nacional, Bressane era o único realizador que não apresentava um primeiro filme. Ao mesmo tempo, o foco da competição nacional foi a presença de filmes convidados que haviam estreado em festivais internacionais. Curiosamente, dos 5 filmes da mostra principal, 3 deles haviam estreado no mesmo evento, o Festival de Rotterdam. Esse critério trouxe ao festival filmes de prestígio, com uma seleção de muito bom nível, mas, dessa forma, o festival optou por abdicar do ineditismo para aprofundar um recorte de prestígio artístico internacional. Com isso, acabou exibindo filmes que já haviam estreado mesmo em circuito comercial. De todo modo, o público cinéfilo de João Pessoa teve acesso a um conjunto forte de filmes, que mostram diversas tendências do cinema brasileiro em sua diversidade e sua potência autoral, ainda realizando debates e com a presença de convidados que turbinaram o evento. Desse modo, a consistência da programação do Fest Aruanda permite considerá-lo como um festival de médio porte, já consolidado dentro do panorama de festivais de cinema do país.

A programação do festival inclui uma mostra competitiva específica para filmes nordestinos, denominada de “Sob o céu nordestino”, referindo-se ao filme pioneiro do cinema paraibano dirigido por Walfredo Rodriguez, que curiosamente foi tema da tese de doutorado de Lucio Villar, organizador do festival. Ao mesmo tempo em que essa seção é notável por destacar filmes do Nordeste, ela acaba contribuindo para a exclusão de filmes da Região na Competitiva Principal. Dos 5 longas da principal mostra do evento, quatro são de realizadores do RJ/SP, com a única exceção de Madalena, filmado no MS mas cuja produtora é a Raccord, no Rio de Janeiro. Esse problema poderia ter sido contornado com a inclusão do paraibano Miami Cuba para a seleção principal em vez da competição nordestina, visto que era o único filme totalmente inédito do evento, e que a seleção principal não apresentou nenhum documentário.

Outro problema pontual foi a falta de conexão entre as curadorias de curta e longa-metragem, algo que não é específico do Fest Aruanda mas comum a diversos outros festivais no País. Por serem realizadas por curadorias diferentes, ficou nítido que não houve uma conversa ou ajuste mais fino no sentido de harmonizar ambas as programações. Como os curtas eram exibidos compondo a mesma sessão que os longas, a falta de sintonia das curadorias ficou evidente, causando momentos de embaraço, como a total desconexão dos curtas que antecederam as sessões dos filmes de Petrus Cariry e Júlio Bressane. Por outro lado, um dos destaques foi uma sessão composta por três curtas paraibanos em sequência, A fome de Lázaro, Animais na Pista e Cabidela´s bar, que comprovam o excelente estágio de maturidade da cinematografia paraibana.

De todo modo, o saldo foi extremamente positivo e foram vários os momentos inesquecíveis deste festival: o abraço entre Júlio Bressane e Othon Bastos na entrega da homenagem ao segundo; a presença de Marcélia Cartaxo na premiação, divertidamente atrapalhada ao tentar segurar os dez prêmios recebidos na noite por A praia do fim do mundo, de Petrus Cariry; a apoteótica exibição de Ney à flor da pele, no encerramento, com a presença de Ney, quando o público cantou com o filme e aplaudiu os depoimentos em cena aberta; a subida ao palco da equipe de A Canga, de Marcus Villar, 20 anos após sua realização. Um dos pontos altos do evento foi a exibição, com a presença do realizador, de Capitu e o Capítulo, que acabou agraciado com os prêmios de melhor filme do júri oficial e do júri da crítica (Abraccine). Achei curiosa e ousada a opção de colocar o veteraníssimo Bressane para competir com os demais cineastas estreantes, em vez de exibi-lo como hors-concours. De todo modo, o prêmio dado a Bressane acaba naturalmente transbordando do filme em si (de seu belo filme, por sinal) para um gesto que contempla a defesa por um cinema de invenção neste atual momento de crise do cinema e da cultura brasileira.

Neste momento tão delicado de crise em que estamos submersos, o cuidado da programação do Fest Aruanda sem dúvida foi um alento para o público paraibano sobre a potência do nosso cinema brasileiro. Os parabéns residem especialmente para a coordenação geral do Prof. Lúcio Vilar, da Universidade Federal da Paraíba, e ao curador Amilton Pinheiro.

Abaixo, listo os longas exibidos nas principais sessões do evento, e suas respectivas críticas. Alguns textos foram escritos por ocasião da cobertura do Festival de Rotterdam. Revi, dessa vez em tela grande, os filmes de Bressane, Fujinaga e Marcheti, e mantive minha avaliação sobre eles.


abraço histórico entre Othon Bastos e Júlio Bressane
 


 Mostra Competitiva Nacional

A Felicidade das Coisas, de Thais Fujinaga (Fic., SP/MG, 2021, 1h27min.)

Salamandra, de Alex Carvalho (Fic., Brasil, França, Alemanha, 2021, 2h00)

Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente, de Cesar Cabral (Anim., SP, 2021, 1h30min.)

Capitu e o Capítulo, de Júlio Bressane (Fic., RJ, 2021, 1h16min.)

Madalena, de Madiano Marcheti (Fic., MS, 2021, 1h26min.)

 

Mostra “Sob o céu nordestino”

Miami-Cuba, de Caroline Oliveira (Doc., PB, 2021, 1h34min.)

A Praia do Fim do Mundo, de Petrus Cariry (Fic., CE, 2021, 1h28min.)

Fendas, de Carlos Segundo (Fic., RN, 2019, 1h18min.)

Transversais, de Émerson Maranhão (Doc., CE, 2021, 1h25min.)

 

Sessões especiais

A Viagem de Pedro, de Laís Bodanzky (Fic., Brasil, Portugal, 2021, 1h38 min.)

Deserto Particular, de Aly Muritiba (Fic., PR, 2021, 2h00)

Ney, À Flor da Pele, de Felipe Nepomuceno (Doc., RJ, 2021, 1h13min.)

 

Marcélia Cartaxo recebe o Troféu de Melhor Atriz, um dos 10 prêmios de A praia do fim do mundo, de Petrus Cariry

A diretora Caroline Oliveira apresenta, junto à equipe, seu filme Miami Cuba, em sua primeira exibição pública, na cidade em que foi filmado.

O diretor Marcus Vilar e a equipe de A canga, 20 anos após sua realização


Comentários

Postagens mais visitadas