[CINE BH] NÓS PASSARINHOS
NÓS PASSARINHOS
de Antonio Fargoni
Nós passarinhos é o primeiro longa-metragem
dirigido por Antonio Fargoni, parte do coletivo Cinema Instantâneo, que vem
realizando um conjunto de filmes entre São Paulo e a Paraíba, composto por
realizadores como Tiago A. Neves, Ricardo Peres, Hipólito Lucena, Rebeca Souza,
entre outros.
No entanto, desta vez, Fargoni
trabalhou praticamente sozinho, uma vez que tinha o desafio de realizar um
longa-metragem no auge da pandemia, em 2020. Para isso, buscou inspiração nos
recursos da “dramaturgia do comum”, mesclando ficção e documentário, utilizando
membros de sua própria família, aos moldes de uma certa linhagem recente do
cinema brasileiro, entre os trabalhos de André Novais e os filmes de Getúlio
Ribeiro e de Bruno Risas, entre vários outros.
Fargoni realizou um filme com
três blocos de personagens: sua mãe Márcia, sua tia Mariza e, ele mesmo. A
rotina desses personagens durante a pandemia é entrecruzada com uma decupagem criativa
que inventa lugares possíveis para que essas personagens possam conviver com
suas solidões forçadas.
Mas o mais tocante é que o
objetivo de Fargoni não é propriamente mostrar a solidão e o desespero das
pessoas enclausuradas, nem mesmo promover um painel social ou político do
momento de exceção, mas mostrar que a vida continua caminhando mesmo assim.
Assim, Nós passarinhos assume
uma leveza planejada, pois seu desejo é falar da liberdade que ainda assim
habita cada plano. Por isso, é muito sintomática a opção do realizador de abrir
seu filme com um contraplongée da imagem do céu, no interior do carro (descobriremos
depois que se trata do próprio diretor-personagem em seu ofício de motorista).
O filme começa num túnel, e depois desemboca em céu aberto, até que o carro
estaciona sobre uma árvore, sugerindo a analogia com o título do filme.
Outro recurso que aponta para um
olhar original sobre o enclausuramento na pandemia é a opção sistemática pelo
extracampo. Os personagens nunca aparecem encapsulados no interior de um plano
que os aprisiona mas sempre buscam se por em movimento, de modo que o
extracampo aponta para um espaço para além das bordas do quadro. O uso do
extracampo nos interiores assinala o desejo de liberdade de Nós passarinhos.
As duas irmãs-gêmeas Márcia e
Mariza vivem em casa, esperando a pandemia passar. A rotina das duas irmãs se
contrapõe com a de Fargoni, que representa um personagem de si próprio como um
motorista de aplicativo. Essa é uma oportunidade para que o filme saia dos
interiores domésticos e avancem para a cidade de São Paulo, num curioso esvaziamento
em relação à sua velocidade caótica. A cidade é uma oportunidade para que
Fargoni apresente o contexto social da pandemia: negacionistas que se recusam
colocar a máscara; a destruição da política para o cinema brasileiro. Ainda que
numa externa em movimento, esse terceiro bloco no fundo se passa restrito a um
interior imóvel: o próprio carro, em que Fargoni aparece somente por seu
reflexo pelo retrovisor, quase como se fosse uma comédia aos moldes de alguns
filmes recentes de `Jafar Panahi.
Nesse ponto, há algo curioso: o
motorista de aplicativo conversa com os passageiros que irá vender seu carro
para juntar dinheiro para fazer um filme. Não sabemos bem se o motorista se
tornará cineasta, ou se é o cineasta que se tornou motorista para sobreviver.
No fundo, pouco importa. Essa opção acaba abordando implicitamente uma política
que tornou possível que pessoas simples como motoristas se tornassem cineastas,
e, ao mesmo tempo, mostra seu estado de abandono ou desmonte, quando atualmente
artistas precisam se tornar motoristas por falta de alternativas. De todo modo,
para Fargoni, o cinema, ou a arte, passa a ser uma resposta mais existencial do
que propriamente política a um cenário de crescente abandono. Ao se colocar
como motorista, Fargoni dispõe sobre um corolário ético, em defesa de uma forma
de fazer cinema. Como diria Jodorowsky, Fargoni não filma para ganhar dinheiro
mas para perdê-lo, ou ainda, como Jonas Mekas, filmar é viver, ou viver é
filmar.
É quando os três personagens
aparecem juntos, apontando para a possibilidade de encontro após o fim da
pandemia, e como o cinema é uma forma de uni-los diante do improvável. Pintar a
casa, pintar os cabelos ou fazer um filme: Nós passarinhos, por meio desse
título tão singelo, expressa de forma bastante delicada esse difícil embate
entre a necessidade do enclausuramento e o desejo de liberdade.
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