(IFFR 2021): PEBBLES
TIGER COMPETITION
PEBBLES
de Vinothraj P.S.
Conhecemos
muito pouco do cinema indiano, um país que produz mais filmes que os Estados
Unidos, e em circunstâncias muito particulares. De um lado, a indústria
cinematográfica indiana é pujante, com os extravagantes musicais típicos de
Bollywood. Mas também há dramas sociais realistas, que mostram um outro lado da
sociedade indiana. Ainda assim, há raros filmes (pelo menos que cheguem até
nós) mostrando os modos de ser do interior dos vilarejos que compõem a Índia
rural.
Pebbles, de Vinothraj P.S.,
possui, portanto, essa camada de interesse por nos mostrar, de forma
impressionante, a vida social no interior da Índia: a escola, as comunidades
rurais, as pequenas casas, os precários ônibus intermunicipais, etc. O filme
nos impressiona por como incorpora a paisagem em locação como protagonista,
usando o cinema de ficção para dar a ver um contexto social, aos moldes da
escola do neorrealismo italiano.
No
entanto, Pebbles não está
propriamente interessado num retrato social da miserabilidade do povo em tom
vitimista, mas estrutura sua base dramatúrgica na relação entre um pai e um
filho. A princípio, poderíamos, então, pensá-lo então com base no humanismo de
um Ladrões de bicicletas (1948) ou
mesmo nos filmes da trilogia de Apu (1955-59), do também indiano Satyajit Ray. O
drama de uma família que tenta sobreviver à seca também poderia nos fazer
lembrar do brasileiro Vidas secas
(1963).
Mas
definitivamente não se trata de nada disso. A relação entre pai e filho é dura;
a família é partida. Pebbles é um
filme de ação, uma travessia em estado físico. Um pai retira o filho da escola
e pega a estrada para encontrar a esposa; primeiro, de ônibus, depois, a pé. Mas
a violência do pai nos assusta: parece que ele quer mais violentar a esposa do
que propriamente enamorá-la. A mãe da criança permanece sempre nesse extracampo
distante. O filho simplesmente segue o pai, sem receber de volta nenhum
carinho, nenhum afeto. A força da expressão dos dois protagonistas (pai e
filho) é marcante: a força bruta do pai e a ternura ingênua do filho. A enorme
seca indiana é expressa pela presença expressiva da paisagem, especialmente na
segunda metade do filme, numa impressionante travessia física pela estrada
desértica, fora da estrada.
Num
determinado momento de transição, entre o ônibus e a caminhada a pé, os dois
personagens chegam a um vilarejo, onde o (des)encontro acontece por meio de um
engenhoso plano sequência, com dois amplos movimentos circulares de tirar o
fôlego, o que mostra uma curiosa variação no meio do filme, um desejo de
linguagem.
Pebbles não é um filme
edificante, seja sobre as condições socioeconômicas do interior indiano, seja
sobre a viagem como travessia humanista de autoconhecimento e reaproximação
entre pai e filho. Quase não há informações; o pai brutal não se transforma;
não se encontra a redenção por meio do sacrifício.
Ao mesmo
tempo, é nítido o desejo do realizador de impressionar e chocar o espectador,
com cenas fortes de impacto, resvalando na espetacularização e no exotismo de
butique para os festivais internacionais. As longas caminhadas dos personagens
são estrategicamente arquitetadas para valorizar a paisagem local em sua
estranheza para o espectador ocidental. Em outra cena, mulheres montam
armadilhas para caçar ratos e depois comê-los numa fogueira. Ainda que Pebbles nos impressione pela força crua
com que arregimenta certas imagens, e especialmente pela presença intensa do
duo de atores, quando cessa o efeito dos recursos de impacto, fica uma sensação
de espetacularização e exotismo de choque, mais do que um olhar humano para
essa comunidade. O virtuosismo de choque do olhar para o cinema e para o mundo
de Vinothraj P.S. está muito longe da beleza poética e do humanismo profundo do
cinema iraniano.
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