O PARAÍSO DEVE SER AQUI
IT MUST BE HEAVEN
de Elia Suleiman
Ao longo de sua filmografia, o palestino Elia Suleiman vem aprofundando
o seu cinema curiosamente o levando para uma espécie de paroxismo, em que um
gosto pelo minimalismo cênico é combinado com sequências quase surrealistas, que
o tornam um trabalho de composição quase inimaginável. Tento me explicar
melhor.
Neste filme, o próprio Suleiman faz um personagem que viaja pela
Europa para conseguir financiamento para seu próximo filme. Este é o primeiro
ponto que nos surpreende: sempre ligado a uma reflexão sobre o que é ser
palestino – essa nação sem um território, eternamente em conflito, Suleiman
agora sai da Palestina, mas a Palestina permanece dentro dele. IT MUST BE
HEAVEN é o antípoda de LÁ BAS, de Chantal Akerman, em que ela vai a Israel mas
não consegue sair de dentro do quarto do hotel, e olha o mundo trancafiada
pelas frestas da janela. Suleiman viaja ao redor do mundo (Paris, Nova Iorque)
mas o mundo visível é um prolongamento em alguma medida até mesmo esdrúxulo do
seu próprio olhar interior. A paisagem é o modo como se veem as coisas.
Num primeiro olhar mais imediato, IT MUST BE HEAVEN é um filme
cômico, inspirado nos grandes comediógrafos do cinema com certa inspiração no
cinema mudo, como Buster Keaton, Charles Chaplin e até mesmo Jacques Tati. O
filme é composto de pequenas esquetes sobre os absurdos que o diretor presencia
nesses lugares. O filme não possui propriamente uma narrativa mas um desfile de
gags visuais. O diretor vê e participa das situações mas sempre com uma certa
distância e não ri – tal como Keaton. Permanece impassível – às vezes sem ação,
às vezes desconcertado – frente ao desfile de insanidades da sociedade
contemporânea. Ao mesmo tempo, um enorme sentido de poesia e de beleza invade a
tela – um olhar crítico, mas carinhoso, nunca raivoso sobre nossas contradições.
O riso é catártico e, ao mesmo tempo, subversivo. Ver IT MUST BE HEAVEN é uma
das experiências mais saborosas e ao mesmo tempo mais libertárias dos últimos
tempos.
A execução do filme vale uma análise a parte. O rigor, a precisão
milimétrica do jogo de composições, ainda que articulados a um certo
minimalismo, o tornam quase um experimento formal cinematográfico. A graça do
jogo que Suleiman propõe está na combinação entre os enormes tempos vazios e a
suposta falta de reação dos personagens com alguns dos movimentos precisos que
o filme propõe. Em algumas cenas, por exemplo, os movimentos são tão
coreografados que se aproximam de uma dança – como os policiais em veículos de
duas rodas. A dança e a precisão dos movimentos são complementados com alguns
efeitos visuais em computação gráfica (marca do cinema de Suleiman), afastando
o filme do puro realismo.
Indo de país em país em busca de financiamento para seu novo
projeto nos mais ricos centros (Paris e Nova Iorque), a política de IT MUST BE
HEAVEN pode ser pensada no caminhar desse personagem solitário em busca de um
lar. Suleiman reflete sobre os efeitos da globalização mas sabe que sempre será
um palestino. Filmado no exílio, depois de dez anos sem filmar, IT MUST BE
HEAVEN é um filme sobre a Palestina, tanto quanto seus filmes anteriores.
Ao mesmo tempo, por trás do verniz da comédia, existe uma profunda
e complexa análise sobre a sociedade contemporânea, e como ela contribui para
uma enorme solidão. A solidão do protagonista é avassaladora. A política de IT
MUST BE HEAVEN escapa totalmente aos manuais de panfleto mas ela está lá
absolutamente visível em primeiro plano. No entanto, a inesperada poesia e
humanismo de sua refinada e precisa mise en scène tornam IT MUST BE HEAVEN uma
combinação inacreditável entre o lirismo de Chaplin e o surrealismo de Keaton,
com o rigor formal e a crítica à sociedade contemporânea de um PLAYTIME, de
Jacques Tati.
IT MUST BE HEAVEN é um dos filmes mais espantosos que já vi numa
sala de cinema. Ao mesmo tempo, o final é de uma triste beleza poucas vezes
vista. Não sei porque mas esses dois planos finais me resgataram uma rima, um
tanto diferente mas também um pouco parecida, com o final de BOM TRABALHO, de
Claire Denis. Um campo-contracampo que evidencia a perplexidade e a solidão do
cineasta. No entanto, seu distanciamento da alegria efusiva não é raivosa ou
ressentida. Suleiman, sem dar respostas, reflete, de forma poética, sobre a sua
inadequação diante do rumo dos nossos tempos.
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