A FORMA DA ÁGUA
A FORMA DA ÁGUA
de Guillermo del Toro
Vejo em A FORMA DA ÁGUA um esboço de filme político. No entanto, a política não está na caricatura do vilão fascista, que, embriagado pela cobiça e pelo poder, sente prazer em torturar a criatura. Ou pelo fiapo de filme de espionagem, à sombra da Guerra Fria. Tampouco sinto que a política esteja no empoderamento da menina tímida e muda, absorvida em seu cenário à la Amelie Poulain, artificialmente esverdeado. Nem mesmo na amizade desinteressada com a faxineira negra e o desenhista gay. Muito menos no final romântico que mistura A.I. com Titanic, mostrando que o amor verdadeiro dos excluídos só pode se dar em outro mundo, não neste aqui.
Num momento em que os Estados Unidos, por meio da Era Trump, parece querer atacar e torturar o que lhe é estranho (o outro, os imigrantes), a criatura do filme parece encarnar a solidão dos refugiados. No mundo de ódio e de ressentimento que vivemos no Brasil, o fato está longe de ser distante.
Mas me parece que a política de A FORMA DA ÁGUA não se afirma meramente no olhar humano para personagens bondosos que não tem voz e que não são vistos, explorados por um sistema de poder.
A (verdadeira) política de A FORMA DA ÁGUA se insinua discretamente na palavra FORMA expressa no título, inserindo uma ambiguidade entre forma e conteúdo, apontando para uma outra camada desse líquido transparente. Sua suposta transparência, portanto, mascara uma certa opacidade, pois, claro, a água tem forma.
É assim que, por trás de sua suposta transparência, A FORMA DA ÁGUA, o filme, se esconde por trás de códigos de gêneros que, assim como seus personagens principais, não são muito vistos ou reconhecidos.
O filme, portanto, dá FORMA a suas intenções, por meio de um jogo ambíguo com as próprias tradições e convenções do que é considerado bom cinema, do que deve ser visto, ou ainda, entre as fronteiras entre o cinema A e B, ou entre o “bom gosto”.
Assim, entendo que bom exemplo do gesto político de del Toro é na perturbadora sequência em que o romance entre aqui-e-lá (entre ele e ela, entre o cinema e o mundo, entre o cinema “A” e “B”) se cristaliza (ganha forma) quando um musical invade o filme de ficção científica.
Para quem acusa a cena de idealismo, é preciso lembrar que o casal tem carne: eles de fato fazem amor.
Esses meandros, essas lacunas, esses sussurros é que me parecem ser o verdadeiro gesto politico (discreto) de A FORMA DA ÁGUA: pensar o filme menos como trajetória humanista dos deserdados personagens-herói e mais como forma de algo supostamente transparente, que, ao final, revela sua natureza: a opacidade.
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