LA LA LAND
LA LA LAND
de Damien Chazelle
de Damien Chazelle
LA LA LAND está longe de ser um
besteirol inconsequente. Muitas vezes tendemos a achar que os musicais são um
estilo colorido-alienado, especialmente no quente clima político do nosso país
de hoje. Mas não creio que seja esse o caso. LA LA LAND toca em um tema atual e
extremamente relevante: os desafios do jovem artista em início de carreira e
suas opções morais em relação a se inserir ou não no "sistema".
No filme, dois jovens artistas
tentam o seu lugar ao sol: um músico que gosta de jazz (Ryan Gosling) e uma
atriz que é recusada em todas as "audições" (Emma Stone). Ela
trabalha como garçonete; ele toca em festas e restaurantes. Ele sonha em montar
um clube de jazz à moda antiga; ela sonha encenar um monólogo no teatro. Mas
sofrem a pressão do sistema: querem se integrar ao "grande sistema",
pois suas expressões artísticas individuais não coincidem com o que o público
necessariamente quer. O que eles devem fazer então? Ceder para entrar no
"sistema", ou perseverar nos seus sonhos? Duas cenas (entre muitas
são emblemáticas). Na primeira, Ryan Gosling resolve tocar uma música mais
"experimental" no piano de um restaurante e acaba demitido. Na
segunda, Emma Stone interpreta o seu monólogo e há o corte para o contracampo
da plateia, onde vemos meia dúzia de gatos pingados com aplausos não muito
estimulantes. O que fazer diante disso?
Pensando dessa forma, os desafios
de LA LA LAND não são muito diferentes de alguns filmes brasileiros
contemporâneos "de garagem", como OS MONSTROS e RISCADO. Em OS
MONSTROS é célebre a cena em que Luiz Pretti toca sax no Alpendre e toda a
plateia sai antes do fim da exibição (eu inclusive, pois fui um dos figurantes
dessa cena rs). Em RISCADO, Karine Teles tenta fazer de tudo para se tornar uma
atriz reconhecida pelo sistema, e enfrenta todos os tipos de dificuldades
enquanto espera por uma oportunidade.
A diferença entre LA LA LAND e os
dois filmes brasileiros citados é principalmente no seu modo de produção.
Enquanto os filmes brasileiros falam da dificuldade de inserção do artista
independente por meio de um modo de produção independente, sem grandes
orçamentos (opção radicalmente coerente no caso de OS MONSTROS), LA LA LAND é
indicado ao Oscar e produzido pela mesma Summit Entertainment de JOGOS VORAZES
e CREPÚSCULO. LA LA LAND é curiosamente calcado nessa (aparente) contradição:
um filme produzido pelo grande sistema para falar sobre as barreiras do sistema
para a entrada dos artistas independentes.
Curiosamente os três filmes
partilham de um mesmo princípio: a liberdade não pode ser obtida no sistema. A
entrada no sistema representa a derrocada de um projeto de liberdade
individual. Ou ainda, são quase opostos os caminhos entre "agradar ao
público" e "satisfazer o desejo do artista". Ecos do romantismo,
que promoveu na história da literatura (e das artes) o rompimento entre a visão
do artista e do público, manifestando que o artista é aquele que vê de outro
modo, o solitário que sofre longe das massas.
Os vinte minutos iniciais de LA
LA LAND podem suscitar a ideia de um musical escapista: números musicais com
mirabolantes e publicitários planos-sequência cheios de cor, entremeados com
festas, vestidos e uma típica frivolidade. Mas a partir da sequência em que
Ryan Gosling resolve tocar aquilo que quer no restaurante e é demitido por
isso, o filme tem uma virada, num momento estranho em que o restaurante escuro
é tomado por um feixe de luz. Entendemos, então, a opção pelo musical. LA LA
LAND é uma fantasia: o filme não possui o interesse de falar dessas questões
sob o ponto de vista do realismo. Os personagens vivem entre a criação e o
mundo real, entre a esperança e a impossibilidade, entre o sonho e a realidade.
Nesse sentido, há um aspecto
curioso no filme. Ryan Gosling quer montar um grupo de jazz, num estilo bem
próximo dos clubes dos anos quarenta, ou seja, do "jazz clássico". Um
amigo "que se deu bem na vida" alerta a ele que "os tempos
mudaram", é preciso atualizar o jazz tocando-o de outra forma. Mas nesse
caso a outra forma é plasmar a essência do gênero com um padrão de gosto estético
duvidoso, imposto pelo mercado. Em outro momento, Ryan vai para uma sessão de
fotos e é obrigado pelo fotógrafo a encenar uma pose para sua câmera
fotográfica de um personagem que parece quase uma caricatura de um rapper, algo
muito diferente do estilo pessoal do intérprete.
Assim como no anterior Whiplash, Damien
Chazelle aborda o tema da música e mescla com alguns pontos autobiográficos. No
entanto, a opção de Chazelle parece clara: falar desses assuntos dentro do
padrão de cinema de estúdio. Chazelle se consagrou em Sundance com Whiplash,
mas seu estilo está bem longe do cinema independente. Chazelle quer resgatar o
cinema clássico mas está preocupado em mesclar o espetáculo sensorial com
personagens que tem questões existenciais. O personagem de Gosling quer montar
um clube de jazz como se fosse nos anos quarenta; o filme de Chazelle possui
diversas citações a musicais americanos dos anos trinta, além de cartazes de
filmes dos anos trinta/quarenta espalhados pelas paredes dos quartos.
Mas ao fim, como Chazelle conclui
esse dilema? No caso de OS MONSTROS, o "final feliz" era dos músicos
independentes tocando juntos, sozinhos, dando totalmente as costas ao público.
Em RISCADO, Karine Teles (que depois de ganhar o prêmio de melhor atriz em
Gramado, foi fazer uma novela da Globo) é enganada pelo sistema, sendo apenas
uma figurante no filme em que ela seria a protagonista. LA LA LAND possui um
final mais ambíguo. Os personagens trocam de posição. No terço final do filme,
pensamos que Gosling irá tocar no grupo de "jazz-contemporâneo-de-mercado"
e que Stone irá fracassar na sua aposta como atriz independente. Mas o filme
possui uma virada. Ao fim, por meio de um epílogo marcado por uma elipse de
cartela de "cinco anos depois", percebemos que Stone é a atriz bem
sucedida nos estúdios, rica, famosa e bem casada, e que Gosling montou o seu
clube de jazz, menos conhecido mas também bem-sucedido. Ele lutou pelo seu
sonho e ela se integrou ao sistema. Os dois estão felizes? Quem está melhor?
Ele?
Ela sai do clube. Na porta de
saída, para por um instante, vira o rosto e seus olhares se encontram.
Proximidade e distância. Um jogo de olhares. Luz fria e quente.
Campo-contracampo: esse doce elemento tão criticado pelo cinema moderno, a base
da gramática do cinema clássico. Campo-contracampo. Lembramos do plot: ela foi
em busca do seu sonho, e ele a deixou ir. Não a repreendeu, como ela o fez
anteriormente. Ela não deveria ter ido? Ele não deveria tê-la deixado ir? Os
olhares se (re)encontram. Provavelmente pela última vez. Ele então reage
delicadamente: sorri de canto de boca. Esse sorriso diz que ele entende a opção
dela, e que "está tudo bem". Será?
O final não é o típico final
feliz, pois coroa a afirmação de Chazelle que o casal não pode ficar junto, de
que não é possível aliar o sonho à realidade. Mas há esse meio sorriso de canto
de boca, que não está muito longe do "a vida é mesmo uma decepção,
não" de Setsuko Hara em Tokyo monogatari de Ozu (ver sobre isso aqui http://cinecasulofilia.blogspot.com.br/2007/10/um-plano-de-ozu.html).
Esse meio sorriso, ainda a ser melhor assimilado, me parece ser a declaração de
princípios do cinema de Chazelle: essa possibilidade improvável de entendermos
que, dentro do sistema, ou fora dele, o importante é nosso gesto moral diante
das coisas.
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