[20a. MOSTRA TIRADENTES] ANTES DO FIM
ANTES DO FIM
de Cristiano Burlan
Como parte da programação de homenagem à Helena Ignez, a Mostra fez uma interessante experiência (não tão nova assim, mas nova em se tratando de Tiradentes): exibir um filme "work in progress", uma obra ainda em processo. Nada mais contemporâneo que abrir e discutir o processo de uma obra-em-processo. Sim, porque ANTES DO FIM, como alguns outros trabalhos do incansável Cristiano Burlan, é um filme de processo, ou, como o próprio diretor frisou, um filme sem orçamento e sem roteiro. Mas se o que foi mostrado na tela de Tiradentes não é o filme, e sim parte de seu processo, ainda em construção, este texto (este que escrevo) não pode ser uma crítica. Ele então é o quê? Não sei bem. Ele é então uma breve reflexão sobre a possibilidade de visionamento dessas imagens e sons que passam a formar "um filme", no momento em que são apresentados para um público (diga-se de passagem, que lotou a sessão).
"Sem orçamento e sem roteiro", ou seja, típico
"filme-de-garagem", ANTES DO FIM, baseia-se então em um encontro: entre
Helena Ignez e Jean-Claude Bernardet, ou ainda, é claro, entre Burlan e os dois
"atores", ou entre a câmera e ambos. Ao vê-los em tela, não há como
não nos emocionar com a grandeza desses dois grandes ícones de um "cinema
de pensamento" ou de um "cinema de invenção" no Brasil. Pois
Helena e Bernardet não são apenas dois "atores" mas são atores-criadores de um modo
de ser no cinema brasileiro, que conjuga ação e reflexão. Ou ação e reação,
conforme os termos propostos pela própria mostra. Daí nada mais coerente que
mostrá-los "em campo aberto", sem um roteiro ou dispositivo rígido
que os aprisione. Pois tudo o que está em jogo em ANTES DO FIM é a liberdade,
sua própria possibilidade de existência.
Mas acontece que o título claramente nos joga para um outro
lugar, o da morte ou do fim. O da inevitabilidade da finitude das coisas. O
filme propõe um arremedo de narrativa, ligado ao suicídio dos personagens. A
proximidade da morte está presente no próprio corpo desses atores, ambos com quase
oitenta anos. O modo como Burlan trabalha os rostos e corpos dos atores
enfatizando essa passagem de tempo é um dos mais fortes motores da dramaturgia,
que surge muito mais como um ensaio performático, ou um exercício do processo
de encontrar um personagem do que propriamente uma narrativa de causa-e-efeito
e de personagens que se estruturam em motivações psicológicas.
Se a morte está presente o tempo inteiro em ANTES DO FIM, me
parece que o suicídio ou o fim foi um ponto de partida que foi logo subvertido
para se chegar a um outro lugar. Pois a palavra chave me parece ser o
"antes". Ou seja, ainda permanecemos, ainda resistimos, ainda
existimos. Curiosamente, ANTES DO FIM - nesse processo inacabado que é próprio
da natureza da vida - é um filme sobre o que resiste, ainda mais diante do
cenário tenebroso que vivemos. Um filme político que mostra como esses dois
grandes "monstros" permanecem. A leveza de ANTES DO FIM diante de um
cenário de agonia é sua declaração de amor. Talvez um pouco ingênua, talvez sem
tanto desenvolvimento quanto às suas possibilidades diante desses dois grandes
seres, mas que, antes de tudo, me tocam profundamente, pois sinalizam para um
gesto do autor diante do momento que vivemos hoje, no cinema brasileiro e no
mundo.
Se há filmes que propõem um "jogo de xadrez" com a morte, me parece que ANTES DO FIM (se é um filme, mas não deixa de sê-lo) é uma dança (não uma valsa, mas uma dança contemporânea) com a vida e a morte. Um filme em processo de ser, e que enquanto é (na sua breve impermanência), resiste. Nada mais justo e belo que ele seja exibido exatamente assim como está.
Se há filmes que propõem um "jogo de xadrez" com a morte, me parece que ANTES DO FIM (se é um filme, mas não deixa de sê-lo) é uma dança (não uma valsa, mas uma dança contemporânea) com a vida e a morte. Um filme em processo de ser, e que enquanto é (na sua breve impermanência), resiste. Nada mais justo e belo que ele seja exibido exatamente assim como está.
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