PHOENIX
PHOENIX
de Christian Petzold
Extraordinário filme de Christian Petzold, esse expoente da chamada "escola de Berlim", que deu novo gás ao cinema alemão deste século. Filme de maturidade, roteirizado por seu velho professor, ninguém menos que Harun Farocki, PHOENIX é um filme político, que carrega na sobriedade de sua mise en scene um comentário sobre a polítca no cinema, um pouco à moda do que faz Todd Haynes (que, por sua vez, já dialogava com Fassbinder). São muitas camadas que precisariam ser melhor detalhadas, mas aqui tento rascuhá-las. Não posso entrar muito em detalhes sobre a narrativa sem evitar os spoilers, mas eu diria que o filme é sobre uma mulher sobrevivente de um campo de concentração que procura reconstruir sua vida, tentando voltar para seu marido, e para isso precisa assumir outra identidade.... a dela mesma! rs. Com isso, o filme mrgulha de frente nesse trauma alemão que é o seu "passado não reconciliado", a sombra do genocídio do Holocausto. O filme busca se concetrar nessa herança no imediato pós-guerra, em que os sobreviventes precisam reconstruir as suas vidas, caminhar para frente, voltar para seus lares. Não é possível mais ser o que se era antes, é preciso assumir uma outra identidade, mas nem tanto. Pois é preciso prosseguir: ser outro sem deixar de ser si mesmo, ou ser si mesmo mesmo sendo outro. E mais: é preciso perdoar para se prosseguir, é preciso olhar para frente mais do que olhar para trás. São temas difíceis, especialmente para a Alemanha. E especialmente nessa Europa fragmentada pelo terrorismo e pelo ressentimento. O filme é muito belo exatamente por seu humanismo: uma mulher que, apesar de tudo, ainda ama seu marido e quer reconstruir sua vida. PHOENIX, por conta das "trocas de identidade", foi muito comparado com VERTIGO, mas prefiro aproximá-lo dos filmes de Fassbinder e especialmente de GERTRUD, de Dreyer. Primeiramente por ser um filme sobre uma mulher que busca amar acima de tudo (acima da "moralidade"), mas também por sua mise en scene sóbria, por seu discurso moral. É incrível o trabalho meticuloso de mise en scene de Petzold e equipe. A arte, as cores, a luz - algo que também nos faz lembrar de um ou outro filme de Sirk - mas também os tempos, todos de enorme precisão, contenção e pureza. Os gestos, olhares e movimento dos corpos desse filme são todos quase puros - e isso é lindo! O trabalho de todo o elenco, mas sobretudo a extraordinária Nina Hoss, no olhar mas especialmente nos movimentos de todo o corpo. O filme todo respira um clima de tensão, expresso através de movimentos lânguidos, de tempos coreografados com enorme precisão, mas uma precisão que nunca oprime ou esmaga o filme em fútil formalismo. Por outro lado, os temas da troca da identidade e a sensação do mundo pós-guerra fizeram com que, naturalmente, dada a história do cinema alemão, o filme dialogasse claramente com o expressionismo alemão e com o filme noir. Os temas da máscara, do duplo, dos assassinos nos becos das ruas escuras são temas muito caros ao cinema alemão, e Petzold é ciente disso, e dialoga com essa tradição com enorme responsabilidade, mas ao mesmo tempo, sem querer simplesmente emular essa tradição mas revigorando-a, imprimindo seu olhar, como no uso das cores e da música dentro do salão. Ainda, a narrativa de PHOENIX é de enorme primor: a reflexão política do filme é contrabalançada com uma estrutura dramatúrgica de suspense que confere ao filme uma escalada asfixiante. Tudo isso culmina num final simplesmente inacreditável, quando Nina Hoss canta "speak low" (de Kurt Weill) num piano. Nessa sequência final, diversos dos elementos dramatúrgicos (tempos, corpo, luz, cores, decupagem, política) assumem uma síntese fascinante, em que o tom emocional do filme explode ainda que por meio de toda uma estratégia de contenção. Tudo está implícito, assim tudo está explícito - como o bom cinema pode fazer: os olhares que respondem ou não respondem já contêm toda a ação (as pausas, os silêncios, etc.). Pela bela ousadia de seu gesto político (o amor que vence o ressentimento) e pela extraordinária precisão de sua mise en scene, pela elegância da atualização de sua feitura no cinema clássico, PHOENIX é um dos melhores filmes do ano, e comprova o talento de escritura de Christian Petzold.
de Christian Petzold
Extraordinário filme de Christian Petzold, esse expoente da chamada "escola de Berlim", que deu novo gás ao cinema alemão deste século. Filme de maturidade, roteirizado por seu velho professor, ninguém menos que Harun Farocki, PHOENIX é um filme político, que carrega na sobriedade de sua mise en scene um comentário sobre a polítca no cinema, um pouco à moda do que faz Todd Haynes (que, por sua vez, já dialogava com Fassbinder). São muitas camadas que precisariam ser melhor detalhadas, mas aqui tento rascuhá-las. Não posso entrar muito em detalhes sobre a narrativa sem evitar os spoilers, mas eu diria que o filme é sobre uma mulher sobrevivente de um campo de concentração que procura reconstruir sua vida, tentando voltar para seu marido, e para isso precisa assumir outra identidade.... a dela mesma! rs. Com isso, o filme mrgulha de frente nesse trauma alemão que é o seu "passado não reconciliado", a sombra do genocídio do Holocausto. O filme busca se concetrar nessa herança no imediato pós-guerra, em que os sobreviventes precisam reconstruir as suas vidas, caminhar para frente, voltar para seus lares. Não é possível mais ser o que se era antes, é preciso assumir uma outra identidade, mas nem tanto. Pois é preciso prosseguir: ser outro sem deixar de ser si mesmo, ou ser si mesmo mesmo sendo outro. E mais: é preciso perdoar para se prosseguir, é preciso olhar para frente mais do que olhar para trás. São temas difíceis, especialmente para a Alemanha. E especialmente nessa Europa fragmentada pelo terrorismo e pelo ressentimento. O filme é muito belo exatamente por seu humanismo: uma mulher que, apesar de tudo, ainda ama seu marido e quer reconstruir sua vida. PHOENIX, por conta das "trocas de identidade", foi muito comparado com VERTIGO, mas prefiro aproximá-lo dos filmes de Fassbinder e especialmente de GERTRUD, de Dreyer. Primeiramente por ser um filme sobre uma mulher que busca amar acima de tudo (acima da "moralidade"), mas também por sua mise en scene sóbria, por seu discurso moral. É incrível o trabalho meticuloso de mise en scene de Petzold e equipe. A arte, as cores, a luz - algo que também nos faz lembrar de um ou outro filme de Sirk - mas também os tempos, todos de enorme precisão, contenção e pureza. Os gestos, olhares e movimento dos corpos desse filme são todos quase puros - e isso é lindo! O trabalho de todo o elenco, mas sobretudo a extraordinária Nina Hoss, no olhar mas especialmente nos movimentos de todo o corpo. O filme todo respira um clima de tensão, expresso através de movimentos lânguidos, de tempos coreografados com enorme precisão, mas uma precisão que nunca oprime ou esmaga o filme em fútil formalismo. Por outro lado, os temas da troca da identidade e a sensação do mundo pós-guerra fizeram com que, naturalmente, dada a história do cinema alemão, o filme dialogasse claramente com o expressionismo alemão e com o filme noir. Os temas da máscara, do duplo, dos assassinos nos becos das ruas escuras são temas muito caros ao cinema alemão, e Petzold é ciente disso, e dialoga com essa tradição com enorme responsabilidade, mas ao mesmo tempo, sem querer simplesmente emular essa tradição mas revigorando-a, imprimindo seu olhar, como no uso das cores e da música dentro do salão. Ainda, a narrativa de PHOENIX é de enorme primor: a reflexão política do filme é contrabalançada com uma estrutura dramatúrgica de suspense que confere ao filme uma escalada asfixiante. Tudo isso culmina num final simplesmente inacreditável, quando Nina Hoss canta "speak low" (de Kurt Weill) num piano. Nessa sequência final, diversos dos elementos dramatúrgicos (tempos, corpo, luz, cores, decupagem, política) assumem uma síntese fascinante, em que o tom emocional do filme explode ainda que por meio de toda uma estratégia de contenção. Tudo está implícito, assim tudo está explícito - como o bom cinema pode fazer: os olhares que respondem ou não respondem já contêm toda a ação (as pausas, os silêncios, etc.). Pela bela ousadia de seu gesto político (o amor que vence o ressentimento) e pela extraordinária precisão de sua mise en scene, pela elegância da atualização de sua feitura no cinema clássico, PHOENIX é um dos melhores filmes do ano, e comprova o talento de escritura de Christian Petzold.
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