NOTAS DE TIRADENTES 2015 (V)
SOBRE O MÉTODO DESSA COBERTURA
(OU COMO BUSCO ME APROXIMAR DAS COISAS)
Na correria tresloucada que é o
ritmo de uma mostra de cinema como Tiradentes, em que se vê três ou quatro
sessões de filmes por dia, é difícil conseguir um tempo de respiração para
absorver muitos dos filmes. Em nossas (poucas) horas de sono, imagens, sons
desses filmes se misturam em nossa cabeça, potencializados pelas conversas,
encontros e outros energéticos. Algo entre o vento cortante e a brisa suave,
entre o calor da manhã e o frio da noite, entre o sol e a chuva, entre o som
típico da paisagem do interior mineiro e a britadeira da obra na pousada, entre
os novos amigos e os recentes desafetos. Diante de tudo isso, ou ainda, entre esses tempos e espaços, nesses
intervalos, volto a esse desafio, que é o de transformar essa multidão em palavras,
ou ainda, um novo encontro: com a folha de papel em branco. Toda a minha dor e
todo o meu desejo, todo o cansaço e toda a insônia, todo meu desencanto e toda
a minha esperança se colocam aqui, de forma frágil e incompleta, viva e
pulsante. O possível. É isso o que procuro encontrar nos filmes não para me
salvar mas talvez para que consiga caminhar adiante.
Diante desse método, o filme que
mais me estimulou em toda a mostra foi CORAÇÕES SANGRANTES, de Jorge Polo.
Devemos ter cuidado com a beleza - o que é a beleza? não sei dizer. CORAÇÕES
SANGRANTES (e não "sangrentos") é o mais belo filme da mostra não
exatamente porque suas imagens exalam a beleza plástica fotográfica-fotogênica
de um certo padrão do "cinema de arte". Sua beleza vem da forma como
o diretor se atirou num abismo ao realizar esse filme. Seu projeto de juventude
não surge por conta meramente da idade dos personagens ou porque "passam
por uma travessia em que enfrentam desafios e amadurecem". Sua juventude é porque não há passado nem projeto
de futuro, há apenas o presente.
Porque é um filme de personagens que não querem amadurecer. Sua juventude está
em como reúne diversos elementos do chamado cinema jovem contemporâneo para
deslocá-los para outro lugar, para fazê-los caminhar, e não para simplesmente repeti-los
ou diluí-los. É um filme de afetos, de encontros (um filme que entrecruza as
relações entre cinema e vida, entre representar e viver, de personagens frágeis
que se fortalecem por estarem juntos, um filme de encontros) mas ao mesmo tempo
um filme político (um filme sobre um modo de viver no Rio de Janeiro, sobre a
ocupação de um casarão no Centro da Cidade). Um filme ingênuo - a ingenuidade como subversão do bom gosto. Um filme
inesperado, repleto de paixão e pulsão, mas ao mesmo tempo com uma certa
melancolia, com algo que falta. É essa oscilação entre a alegria da brincadeira
ingênua e a consciência da fugacidade e do desencanto que tornam esse curta de
Polo tão singular. Ou, como prefiro, tão jovem.
Essa pulsão e esse mal estar. Algo que me lembra de passagem um cruzamento
entre o primeiro cinema de Jarmusch e alguns dos filmes do nosso cinema
marginal. A radicalidade e a sinceridade com que o diretor se arremessa nesse
abismo são absolutamente comoventes para quem consegue entrar nesse casarão.
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