NOTAS DE TIRADENTES 2015 (II)
OBRA, de Gregorio Graziosi
OBRA, primeiro longa de Gregorio Graziosi, é um filme
monumental. Ambicioso, procura examinar as contradições de um projeto de
progresso da cidade de São Paulo, através da crise de seu personagem. Arquiteto
de uma obra, o personagem de Irandhir Santos descobre, no processo de escavação
da obra, no terreno que pertence a seu avô, restos mortais não identificados. É
como uma metáfora para a própria cidade, erguida a partir do soterramento de
ossos. Para isso, Gregorio realiza uma obra de grande apelo formal, de imenso
rigor arquitetônico, dialogando com a própria imponência dessa construção. OBRA
é um filme de pura racionalidade: um exemplo dessas relações entre a forma do filme
e as interseções entre a cidade e o personagem é como o personagem de Irandhir
possui uma hérnia de disco. A dor em sua coluna, que percebemos ser comum a
toda a família, aponta para a herança que o personagem recebe, e, além disso,
para uma cicatriz na "viga-mestre" do seu próprio corpo, numa
analogia com a arquitetura dos espaços.
OBRA, então, examina de forma crítica o processo de
construção do progresso da cidade de São Paulo, e como ele, para se fazer,
precisa enterrar seres vivos. Propõe então uma crise de consciência desse
personagem. Irandhir sente então essa culpa, que contamina suas ações e seu
próprio corpo. No entanto, OBRA - o filme - parece não acompanhar a trajetória
de seu personagem. Se seu personagem sofre uma crise, o filme em nenhum momento
abala sua estrutura monumental. Permanece sem se mover nem um único milímetro,
não sofre nenhum tipo de abalo em sua coluna vertebral.
Se é enormemente bem-sucedido seu esforço monumental, ele
permanece, portanto, muito mais no campo estético do que no ético. A rigidez
arquitetônica de OBRA impede que o filme tenha um alcance transformador. OBRA é
um filme de arquitetura clássica, em que todas as opções possuem funções bem
definidas como parte do todo. Se o personagem está mergulhado em crise, não há
propriamente espaço para a dúvida ou para a ambiguidade, pois tudo está no
lugar certo demais. É isso o que difere OBRA do cinema de Antonioni, que também
expressava uma crise e não apontava para soluções, mas onde a dúvida e a
ambiguidade eram contaminadas por todo o filme, por muitas vezes desorientando
o espectador.
Sendo simpático a seu personagem mas mostrando sua
impotência, a rigidez arquitetônica de OBRA mostra que o realizador ainda está
mais do lado dos pais do que de Irandhir: essa é a profunda contradição de
OBRA, que o diretor não conseguiu resolver, pois claramente trata-se de um
filme profundamente pessoal, em que o diretor tenta desopilar as relações entre
sua própria família. O protagonista de OBRA tem paralelos com o protagonista de
O SOM AO REDOR: ele quer dar um passo de ruptura mas não consegue, pois está
atrelado até o pescoço com a tradição. Acontece que Kleber Mendonça tem
consciência disso, e Gregorio, parece que não.
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