Nesta semana vi o último filme do mago Alejandro Jodorowsky A DANÇA DA REALIDADE. No início há uma sensação de grande estranhamento, por uma encenação um pouco grosseira, meio atabalhoada, com cores muito gritantes. Mas aos poucos vamos entrando na atmosfera criada pelo autor em seu filme mais felliniano, mas mais radical que os de Fellini. Afora os elementos do ocultismo, que estão nítidos em todo o filme mas que não consigo precisar, o que salta aos olhos é que esse filme é em muitas maneiras um testamento de Jodorowsky. Encanta a forma frontal com que Jodorowsky abraçou o projeto desse filme, e fez o filme possível para ele ali naquele momento, depois de mais de 25 anos sem filmar. É um crime que um grande artista como Jodorowsky tenha ficado tanto tempo sem realizar um filme. Uma vontade louca de narrar, de dar vida, de criar personagens, de falar de vidas que mudam e remudam. De pessoas ingênuas que descobrem o mundo e se tornam ainda mais ingênuas com ele, que redescobrem o poder de se encantar, e prosseguem mesmo com tanta miséria e desgraça. Jodorowsky dialoga com toda a arte e a cultura latino-americana, o melodrama, o cinema de lágrimas, sem deixar de ter um forte pé no surrealismo e em toda a sua formação artística e cinematográfica. Esse filme em particular é desenrolado por três personagens que talvez sejam um só: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Extraordinária atuação de Brontis Jodorowsky, por sinal o próprio filho de Alejandro, que faz o papel de seu pai. Uma atuação daquelas que torna um filme antológico. O filme possui uma quebra narrativa extrema, divindo-o em duas metades. O filme tem um roteiro bastante interessante, cheio de meandros, voltas e retomadas. O autor é ambicioso, combinando uma complexa história pessoal de uma família com a história política de seu país. E o faz ao longo de uma longa trajetória de vida. Uma parábola crítica contra o poder, os mitos e as falsas convicções. A DANÇA DA REALIDADE é um filme absurdamente triste, mas nunca derrotista. Seus personagens caminham a trilha lamuriosa do destino mas encontram sempre uma potência para prosseguir, redescobrindo-se. Mesmo que a encenação seja meio grosseira, e não seja tão acabado quanto EL TOPO ou A MONTANHA MÁGICA, esse último filme de Jodorowsky é incrivelmente iluminador, permanecendo como ato heroico desse grande artista e místico da cultura latino-americana. É um crime que um filme como esse não entre em cartaz nos cinemas de nosso pobre Brasil. Não encontra o seu espaço entre os 200 filmes nacionais que se estapeiam entre si e as 1000 telas que exibem o Homem Aranha 28.
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