Caetano,
há algumas semanas eu exibi O QUE SE MOVE para minha turma de cinema contemporâneo brasileiro, aquela mesma disciplina em que semestre passado você esteve presente. Revi, então, com a turma, pela quarta vez o seu filme. E, dessa vez, descobri algo que me tinha passado despercebido: os planos de pés. Uma boa parte de minha palestra após a exibição do filme com a turma foi comentando a importância desses planos de pés. Só desta vez eu percebi um plano que havia me passado despercebido das outras vezes: quando, na cena da delegacia, o filme corta para o plano fechado de dois pés que se movem com extrema precisão e cálculo (sendo mais preciso, é apenas o pé esquerdo que se move, girando em torno do eixo do corpo, no sentido anti-horário). Dessa vez, esse plano gerou um impacto profundo em mim. Fiquei voltando e comentando com a turma como pode um diretor realizar um plano como esse. No meio de todo aquele turbilhão emocional que é a cena da delegacia, onde ainda estamos tentando entender (digerir) um pouco mais a tragédia dessa mãe, o realizador opta por um plano brechtiano, um passo marcado, dois pés que se movem delicadamente, precisamente. Em outros momentos, os pés vão aparecer no filme, mais diretamente em outra cena musical, quando pés pisam naqueles brinquedos formando uma espécie de dança-jogo (o próprio filme, em que os atores buscam pisar num terreno previamente demarcado). O filme acaba com imagens de membros dos corpos de atletas. O último plano do filme é justamente com pés numa trave de equilíbrio (o próprio filme, a própria vida, ...). Fico pensando nisso. No que representa o corpo, um passo, para um atleta. Em como um centímetro mal calculado pode representar a glória ou o fracasso de toda uma vida. Um simples acaso, um leve escorregão pode gerar o mais traumático acidente sem volta. A câmera tenta observar de muito perto a torção desses pés para ver se consegue apreender essa fagulha que talvez possa nos explicar o motivo do desequilíbrio. Mas muitas vezes não conseguimos ver. Há algo que nos escapa. Mesmo nesse movimento preciso, repetido à exaustão, há algo que nos falta, que a imagem não consegue nos dar, e que mesmo a repetição (os treinos) não consegue responder. Há uma beleza nesses corpos que se movem, mas por um motivo que não raras vezes nos escapa isso pode gerar um desequilíbrio fatal.
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