as cinzas e o nascituro
O SIGNO DO CAOS e
ESTÉTICA DA SOLIDÃO. O que esses dois filmes tão diferentes possuem em comum? O
que está por trás desse meu gesto de aproximar esses dois filmes tão
estapafúrdios?
De um lado, um filme sobre a consciência do fracasso, sobre
a iminência do fim, o último filme de um veterano cineasta brasileiro, atrelado
ao grão da película cinematográfica. De outro lado, um filme sobre a
possibilidade do começo, um filme adolescente sobre adolescentes, o primeiro
filme de um (dois) jovem(ns) realizador(es) brasileiro(s), sob a semente do
video.
Dois filmes que dão as costas ao modelo típico de produção
do cinema brasileiro de sua época, do cinema do "bom gosto" e da
busca pelo profissionalismo, que regeu o cinema da retimada, os discursos sobre
o cinema brasileiro da virada do século.
De um lado, um filme sobre o fim, um fime dionisíaco sobre o
juízo final. De outro, um filme sobre o início, filme-ensaio apolíneo sobre a
gestação de um porvir. As cinzas e o nascituro. Tarde demais, cedo demais.
Me interessa aproximar esses dois filmes tão diferentes
porque ambos são filmes-ilha, desconectados de seu tempo, e exatamente por isso
me parecem absurdamente contemporâneos, muito mais do que os "filmes da
retomada" feitos na sua época. Porque comprovam o texto do Agamben, por
dirigirem um facho de luz em nossa direção mas que não conseguimos alcançar.
Tenho dificuldade em ver esses filmes, mas essa dificuldade me interessa,
porque, acima de tudo, aponta para o gesto desses autores.
Esses filmes me interessam pela pureza de suas intenções e
pela radicalidade do seu gesto. Me interessam porque provocam, a partir dos
seus deslocamentos, uma ética do autor.
Porque são filmes sobre a liberdade. Porque conseguimos
criar, mesmo diante de tudo, diante do sistema e do país, mesmo diante da
morte, mesmo asfixiando o artista, mesmo com as picuinhas, pilantragens e
traições do cinema brasileiro, mesmo assim a obra continua, permanece,
reverbera, o filme de welles ressoa ainda que ele tenha sido destruído,
ouroboros. Porque conseguimos criar, mesmo sendo crianças e mesmo sendo sós,
mesmo não tendo ninguém a não ser nós mesmos, e mesmo que não consigamos sair
do nosso quarto.
Esses realizadores atiraram-se num precipício ao fazerem os
seus filmes. Mergulharam num abismo. Um labirinto de espelhos. Ou um castelo de
cartas, um jogo de lego. Não importa. "Maturidade" ou
"precocidade", não importa.
Esses artistas não tiveram medo de se lançar de uma maneira
frágil. Esses filmes escancaram e potencializam as suas próprias fragilidades,
que são tamanhas. Os realizadores ofereceram suas feridas, suas chagas, a céu
aberto. E encontraram no próprio processo de realização do filme talvez o único
modo de lidar com isso.
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