Liberdade, a noite


À medida em que vemos mais de um seus filmes – à medida que eles vão nos tornando dispoíveis através das redes – vamos costurando mais um de seus nós, vamos formando essa enorme colcha que forma esse cinema ético que Phillipe Garrel vem se propondo a fazer. Cinema feito de luz e sombras, de vida e morte, de amor e dor. Liberdade, a noite, filme de 1983, comprova essa escritura ética de que é feito o cinema de Garrel.

É preciso continuar. Como já diz o começo, não se pode parar de filmar porque já se disse tudo. É preciso dizê-lo outra vez, porque assim não se repete o que foi dito mas diz-se mais uma vez, diz-se outro. No cinema de Garrel, não se trata de “recomeçar” mas de “começar mais uma vez”. Para saber que filme é esse que se acabou de fazer, é preciso fazer outro. É preciso fazer o mesmo filme, e enquanto se busca fazê-lo, faz-se outro. Vivemos, morremos, vivemos outra vez. Não importa mais, é preciso seguir. Ou, de outra forma, o cinema de Garrel não é feito de ressurreições mas de vidas.

Mas o que vinha dizendo é sobre essa escritura ética sobre a qual se embasa toda a trajetória fílmica de Garrel, e que talvez somente agora, vinte, trinta anos depois, possamos – uma outra geração – compreendê-la, senti-la. Escritura ética baseada nas elipses e pelas zonas do cinza. Garrel poderia ser um Antonioni, porque seu cinema está também preocupado nas relações humanas e num certo vazio que não consegue ser preenchido por elas. Mas acontece que Garrel consegue observar essas pequenas potências que explodem e que, quando as percebemos, já estamos em outra sequência, e estamos indefesos, confusos, atormentados, felizes, extasiados, enfim, vivemos.

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