TIRADENTES (I): CAVI
ENCHENTE é um filme com questões relevantes. Mas para o que me interessa aqui – pensar o cinema independente através de uma atitude que se expressa por um olhar próprio para o mundo (a arte revolucionária só é possível com uma forma revolucionária) – me interessa aqui falar do Enchente na medida que aponta para o projeto de Cavi Borges. No debate aqui em Tiradentes na manhã seguinte após a exibição do filme, Cavi encantou a todos com sua simplicidade e sua franqueza, desnudando seu processo de produção, descrevendo em minúcias como consegue driblar os CPBs da ANCINE, a duração dos longas nos festivais, o prazo de validade dos prêmios das empresas de infra-estrutura, etc. Todos esses dribles, que a princípio podem parecer antiéticos, revelam-se extremamente éticos porque enfrentam de frente a precariedade de seu modo de produção, e suas soluções criativas para fazer com que seus projetos sejam possíveis. Ou seja, ao invés de se lamentar pela falta de ação do Governo (estratégia típica dos cineastas), Cavi prefere ver as brechas como possibilidades. Cavi, produtor carioca, dá o seu jeitinho, mas ao contrário da estratégia de um ex-lutador de judô (Cavi quase chegou a ir para as Olimpíadas...), Cavi derruba todos os obstáculos não com negatividade, mas seus “jeitinhos” são feitos para viabilizar sonhos e para consolidar parcerias. Com isso, Cavi já conseguiu realizar vários longas (chutaria uns oito) e mais de uma dezena de curtas, sem depender de financiamento estatal nem da política das associações ou coisas do gênero. Cavi é o grande empreendedor do cinema independente carioca. No debate, Cavi falou uma coisa clara: seus longas custam no máximo R$50 mil, porque um filme de R$50 mil consegue se pagar; um de R$1 milhão, não. Claro, pois não há mercado no Brasil. Ou melhor, só há mercado ou para um longa de R$100 mil ou para um longa de R$10 milhões. De um lado, um mercado concentradíssimo, em que 3 filmes ocupam 70% das salas, e apenas com um grande orçamento de marketing (leia-se Globo Filmes) é possível fazer um lançamento maciço e recuperar custos. Mas de outro lado há outra opção, que poucos (ainda) reconhecem: os nichos de mercado. LAPA, Pretérito Perfeito, Vida de Balconista, Riscado, Enchente, Copa Vidigal.... filmes lançados com um sem-número de possibilidades: pré-venda para a TV (grana do Canal Brasil), “distribuição criativa” (lançamento nos cinemas com distribuição de ingressos), “distribuição pirateira” (dar o DVD para os piratas venderem, como forma de atrair marketing para o filme), etc, etc. Cavi: grande visionário do cinema independente carioca: produtor, diretor, cineclubista, distribuidor, ... Cavi possui um enorme talento. Mesmo trabalhando quase sempre com carne de terceira, consegue viabilizar sonhos. Eu só espero que algum dia o Cavi consiga, nem que seja uma única vez, cozinhar, ainda que não seja com filé mignon, pelo menos com uma alcatra...
Comentários