Cine Alumbramento - julho
Nesta segunda, voltou à atividade o Cine Alumbramento, que exibe no auditório da Vila das Artes, curtas da atual produção cearense. Nessa sessão, foram exibidos três curtas de alunos de diferentes cursos de cinema, o que também espelha o singular momento da formação audiovisual em Fortaleza: UFC, Unifor e Escola do Audiovisual. Duas Universidades - uma pública, outra particular - e um curso de extensão, livre, mas de longa duração (2 anos). Nas sessões, que sempre têm debates com os próprios realizadores, são distribuídos textos críticos sobre os curtas exibidos. Uma iniciativa muito bacana, pois alia a exibição à reflexão e ao debate. Nesta sessão fui chamado para escrever sobre o Princesa. Eis o texto:
Princesa
Para realizar Princesa, fruto do primeiro ateliê da segunda turma da Escola do Audiovisual, Rafaela Diógenes encontrou no diálogo com os trabalhos da turma anterior sua principal fonte de referência. Essa “sucessão de gerações” se revela não apenas pelo próprio fato de que Rafaela é prima de Pedro Diógenes, um dos mais destacados realizadores formados pela primeira turma, mas pela frontalidade que seu trabalho se propõe a revisitar um curta da primeira turma, que teve origem no mesmo ateliê “Imagem e Narrativa”: Espuma e Osso, de Guto Parente e Ticiano Monteiro. Para além dos méritos do filme, a própria proposta de diálogo com um curta da primeira turma, mais do que uma simples reverência, implica a afirmação de um projeto político de continuidade da beleza do projeto acadêmico da Escola, que, em sua estrutura modular, convidando palestrantes de destaque em suas respectivas áreas de todo o país, oferece uma proposta inventiva e libertária de formação em audiovisual, cujos frutos já se cristalizam nas diversas produções dos ex-alunos que ganham destaque em festivais nacionais e internacionais.
Princesa desenvolve uma narrativa de contenção, afeita aos princípios do cinema contemporâneo, acompanhando uma personagem que, ao mesmo tempo em que ocupa a tela com sua presença, permanece opaca, misteriosa, oblíqua, aos olhos do espectador. O curta acompanha o silencioso percurso da protagonista, do trabalho a casa, percorrendo os entremeios desse deslocamento, quando ela pega um ônibus e percorre a cidade noturna e vazia, ou ainda quando se senta num banco de uma praça, admirando à distância alguns gatos, seus únicos companheiros. Essa trajetória física se confunde com uma trajetória emocional, que desvela a solidão da protagonista, e que inscreve o filme com um tom peculiar de melancolia, valorizado por planos alongados, pelo clima de sugestão, pela singela fotografia que opta pela penumbra e pelos meios tons.
De Espuma e Osso, Rafaela extrai a posição singular de sua protagonista: vestida de Branca de Neve, contratada como animadora de uma festa infantil, sua tristeza contrasta com a inocência das crianças, como uma espécie de paraíso perdido. Outros elementos podem ser elencados: a busca por um cinema de sensações, uma opção pela decupagem e pela luz peculiar, o final com as imagens de arquivo vindas de uma televisão. Mas para além de uma mera repetição desses elementos, Rafaela Diógenes os utiliza inserindo suas marcas pessoais: a primeira prova disso é o expressivo rosto de Ana Luiza Rios, que enche a tela, como influência da formação prévia da diretora como atriz. Princesa é um trabalho feminino, cuja delicadeza expõe a fragilidade das relações humanas na contemporaneidade. E enquanto Espuma e Osso extraía sua força da diluição dos movimentos do corpo, em Princesa o corpo responde, como na que talvez seja a mais bela cena do curta, em que a protagonista tenta fechar em vão a porta de uma velha geladeira, através de movimentos incessantemente repetitivos, numa inércia da alma e do corpo tediosamente fatigados, numa cena que rememora o filme Prazeres Desconhecidos, de Jia Zhang-Ke. Parece ser o único momento possível em que a protagonista possa afinal desabafar sua angústia contida.
Princesa
Para realizar Princesa, fruto do primeiro ateliê da segunda turma da Escola do Audiovisual, Rafaela Diógenes encontrou no diálogo com os trabalhos da turma anterior sua principal fonte de referência. Essa “sucessão de gerações” se revela não apenas pelo próprio fato de que Rafaela é prima de Pedro Diógenes, um dos mais destacados realizadores formados pela primeira turma, mas pela frontalidade que seu trabalho se propõe a revisitar um curta da primeira turma, que teve origem no mesmo ateliê “Imagem e Narrativa”: Espuma e Osso, de Guto Parente e Ticiano Monteiro. Para além dos méritos do filme, a própria proposta de diálogo com um curta da primeira turma, mais do que uma simples reverência, implica a afirmação de um projeto político de continuidade da beleza do projeto acadêmico da Escola, que, em sua estrutura modular, convidando palestrantes de destaque em suas respectivas áreas de todo o país, oferece uma proposta inventiva e libertária de formação em audiovisual, cujos frutos já se cristalizam nas diversas produções dos ex-alunos que ganham destaque em festivais nacionais e internacionais.
Princesa desenvolve uma narrativa de contenção, afeita aos princípios do cinema contemporâneo, acompanhando uma personagem que, ao mesmo tempo em que ocupa a tela com sua presença, permanece opaca, misteriosa, oblíqua, aos olhos do espectador. O curta acompanha o silencioso percurso da protagonista, do trabalho a casa, percorrendo os entremeios desse deslocamento, quando ela pega um ônibus e percorre a cidade noturna e vazia, ou ainda quando se senta num banco de uma praça, admirando à distância alguns gatos, seus únicos companheiros. Essa trajetória física se confunde com uma trajetória emocional, que desvela a solidão da protagonista, e que inscreve o filme com um tom peculiar de melancolia, valorizado por planos alongados, pelo clima de sugestão, pela singela fotografia que opta pela penumbra e pelos meios tons.
De Espuma e Osso, Rafaela extrai a posição singular de sua protagonista: vestida de Branca de Neve, contratada como animadora de uma festa infantil, sua tristeza contrasta com a inocência das crianças, como uma espécie de paraíso perdido. Outros elementos podem ser elencados: a busca por um cinema de sensações, uma opção pela decupagem e pela luz peculiar, o final com as imagens de arquivo vindas de uma televisão. Mas para além de uma mera repetição desses elementos, Rafaela Diógenes os utiliza inserindo suas marcas pessoais: a primeira prova disso é o expressivo rosto de Ana Luiza Rios, que enche a tela, como influência da formação prévia da diretora como atriz. Princesa é um trabalho feminino, cuja delicadeza expõe a fragilidade das relações humanas na contemporaneidade. E enquanto Espuma e Osso extraía sua força da diluição dos movimentos do corpo, em Princesa o corpo responde, como na que talvez seja a mais bela cena do curta, em que a protagonista tenta fechar em vão a porta de uma velha geladeira, através de movimentos incessantemente repetitivos, numa inércia da alma e do corpo tediosamente fatigados, numa cena que rememora o filme Prazeres Desconhecidos, de Jia Zhang-Ke. Parece ser o único momento possível em que a protagonista possa afinal desabafar sua angústia contida.
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