É Proibido Fumar
É Proibido Fumar
De Anna Muylaert
Odeon
*
Vamos direto ao ponto: é Proibido Fumar é um olhar sobre a questão ética no Brasil, ou ainda, uma investigação particular em como é possível sobreviver diante de um país “que não deu tão certo”. Babe – como o próprio nome já nos indica – é uma mulher que vive do passado: ela quer recuperar o antigo sofá da Tia Dinah. Uma conversa com sua irmã – rica, alta, bem-sucedida – é uma espécie de síntese do filme: enquanto a irmã torrou a herança para estudas nos Estados Unidos, Babe permaneceu na casa da mãe, “com seu antigo violão”. O violão, a música, é um símbolo desse olhar saudosista para um passado, diante de uma vida que não avança.
Quando Babe fica triste com a vida, ela encontra rapidamente uma saída: traga um cigarro. Ela no fundo sabe que “o cigarro parece ser seu amigo mas no fundo é seu maior inimigo”, mas “dá um jeitinho”: o cigarro é o subterfúgio para apagar um pouco a dor de enfrentar a verdadeira origem das coisas, e se não é possível uma solução de verdade, pelo menos se pode tragar um cigarro. O cigarro é uma droga entorpecente, que anestesia a dor da experiência da vida. Babe assim não enfrenta seus problemas de frente: de cigarro em cigarro, ela “vai levando essa vida”. Os créditos de abertura do filme mostram a fumaça de um cigarro, como se o próprio cinema fosse uma espécie de droga entorpecente diante do marasmo da vida.
A música – ou o violão que Babe nunca toca mas que representa essa amarra romântica junto a um passado – também não deixa de ser espelho dessa fissura da vida. Afinal de contas, ninguém gosta de Chico Buarque, e sim os sambas. “Canta canta minha gente deixa a tristeza pra lá. Canta forte canta alto que a vida vai melhorar”.
Mas o ponto é que Anna Muylaert vê uma certa beleza nessa imobilidade de vida. Enxerga nas entrelinhas do gesto passivo de Babe – fumar um cigarro – um certo ato de resistência diante de uma vida cada vez mais guiada pela obsessão pela eficiência, pela necessidade de ser um vencedor. Vê uma beleza romântica, um certo gesto zen de aceitação (não de resignação) diante dos limites e da dificuldade da vida, uma certa sabedoria cotidiana. Faz um filme intimista, quase todo dentro de um apartamento, em torno de um meio-casal. Acontece que – ao contrário do cinema de Ozu, por exemplo – Muylaert busca as superfícies dessa imagem e desse relacionamento, se esquiva das verdadeiras questões, sejam elas estéticas ou mesmo afetivas sobre sua personagem. Muylaert faz piadas rasteiras sobre esse encontro, parece no meio do filme mais interessada em brincar com certos climas do cinema de gênero (um romance se torna um filme policial), com uma virada no meio do filme que nos lembra a quebra narrativa de seu primeiro filme – Durval Discos. Assim como Babe, Muylaert, diante do anacronismo do cinema brasileiro, parece que “vai levando essa vida”, “vai levando esse filme”, sem tomar uma decisão firme sobre o que de fato deseja essa mulher.
É Proibido Fumar é um filme sobre a questão ética no Brasil. Babe fuma para ir levando, e tudo o mais se arruma no jeitinho. Miklos vai levando o relacionamento com Babe, já que parece que é melhor ficar com uma do que perder as duas, já que ele não consegue ficar com quem realmente é fissurado. O porteiro do prédio também “arruma um jeitinho” para voltar para sua terra natal. O que parece interessante no filme é a posição dúbia da realizadora diante do universo que retrata: às vezes possui uma posição crítica, às vezes parece gostar da ingenuidade e do descompromisso desse modo de estar no mundo, às vezes parece desinteressada, preferindo os meios-tons e as formas narrativas. A posição de Muylaert como diretora parece ter muito em comum com a natureza de sua protagonista, uma enorme dificuldade de saber o que quer: espia pelo buraco da parede o mundo do lado, parece ser uma mulher independente mas no fundo é uma mulher indecisa e solitária.
Seduzida com o romantismo da opção pelo isolamento de Babe, mas também sem querer aprofundar as conseqüências dessa opção, Muylaert faz um dos filmes mais brasileiros do cinema recente: simplesmente “vai levando essa vida”. Ao contrário de “é proibido fumar”, adverte o oposto: “é preciso fumar”. Poderia pelo menos atrair as companhias de cigarro como investidoras da Lei do Audiovisual. Há uma certa beleza nessa opção, nesse olhar para o pequeno, nessa tentativa de jogar para longe um certo rancor típico de um cinema paulista de anos atrás. Mas apesar de alguns momentos bonitos, é pouco.
De Anna Muylaert
Odeon
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Vamos direto ao ponto: é Proibido Fumar é um olhar sobre a questão ética no Brasil, ou ainda, uma investigação particular em como é possível sobreviver diante de um país “que não deu tão certo”. Babe – como o próprio nome já nos indica – é uma mulher que vive do passado: ela quer recuperar o antigo sofá da Tia Dinah. Uma conversa com sua irmã – rica, alta, bem-sucedida – é uma espécie de síntese do filme: enquanto a irmã torrou a herança para estudas nos Estados Unidos, Babe permaneceu na casa da mãe, “com seu antigo violão”. O violão, a música, é um símbolo desse olhar saudosista para um passado, diante de uma vida que não avança.
Quando Babe fica triste com a vida, ela encontra rapidamente uma saída: traga um cigarro. Ela no fundo sabe que “o cigarro parece ser seu amigo mas no fundo é seu maior inimigo”, mas “dá um jeitinho”: o cigarro é o subterfúgio para apagar um pouco a dor de enfrentar a verdadeira origem das coisas, e se não é possível uma solução de verdade, pelo menos se pode tragar um cigarro. O cigarro é uma droga entorpecente, que anestesia a dor da experiência da vida. Babe assim não enfrenta seus problemas de frente: de cigarro em cigarro, ela “vai levando essa vida”. Os créditos de abertura do filme mostram a fumaça de um cigarro, como se o próprio cinema fosse uma espécie de droga entorpecente diante do marasmo da vida.
A música – ou o violão que Babe nunca toca mas que representa essa amarra romântica junto a um passado – também não deixa de ser espelho dessa fissura da vida. Afinal de contas, ninguém gosta de Chico Buarque, e sim os sambas. “Canta canta minha gente deixa a tristeza pra lá. Canta forte canta alto que a vida vai melhorar”.
Mas o ponto é que Anna Muylaert vê uma certa beleza nessa imobilidade de vida. Enxerga nas entrelinhas do gesto passivo de Babe – fumar um cigarro – um certo ato de resistência diante de uma vida cada vez mais guiada pela obsessão pela eficiência, pela necessidade de ser um vencedor. Vê uma beleza romântica, um certo gesto zen de aceitação (não de resignação) diante dos limites e da dificuldade da vida, uma certa sabedoria cotidiana. Faz um filme intimista, quase todo dentro de um apartamento, em torno de um meio-casal. Acontece que – ao contrário do cinema de Ozu, por exemplo – Muylaert busca as superfícies dessa imagem e desse relacionamento, se esquiva das verdadeiras questões, sejam elas estéticas ou mesmo afetivas sobre sua personagem. Muylaert faz piadas rasteiras sobre esse encontro, parece no meio do filme mais interessada em brincar com certos climas do cinema de gênero (um romance se torna um filme policial), com uma virada no meio do filme que nos lembra a quebra narrativa de seu primeiro filme – Durval Discos. Assim como Babe, Muylaert, diante do anacronismo do cinema brasileiro, parece que “vai levando essa vida”, “vai levando esse filme”, sem tomar uma decisão firme sobre o que de fato deseja essa mulher.
É Proibido Fumar é um filme sobre a questão ética no Brasil. Babe fuma para ir levando, e tudo o mais se arruma no jeitinho. Miklos vai levando o relacionamento com Babe, já que parece que é melhor ficar com uma do que perder as duas, já que ele não consegue ficar com quem realmente é fissurado. O porteiro do prédio também “arruma um jeitinho” para voltar para sua terra natal. O que parece interessante no filme é a posição dúbia da realizadora diante do universo que retrata: às vezes possui uma posição crítica, às vezes parece gostar da ingenuidade e do descompromisso desse modo de estar no mundo, às vezes parece desinteressada, preferindo os meios-tons e as formas narrativas. A posição de Muylaert como diretora parece ter muito em comum com a natureza de sua protagonista, uma enorme dificuldade de saber o que quer: espia pelo buraco da parede o mundo do lado, parece ser uma mulher independente mas no fundo é uma mulher indecisa e solitária.
Seduzida com o romantismo da opção pelo isolamento de Babe, mas também sem querer aprofundar as conseqüências dessa opção, Muylaert faz um dos filmes mais brasileiros do cinema recente: simplesmente “vai levando essa vida”. Ao contrário de “é proibido fumar”, adverte o oposto: “é preciso fumar”. Poderia pelo menos atrair as companhias de cigarro como investidoras da Lei do Audiovisual. Há uma certa beleza nessa opção, nesse olhar para o pequeno, nessa tentativa de jogar para longe um certo rancor típico de um cinema paulista de anos atrás. Mas apesar de alguns momentos bonitos, é pouco.
Comentários
O filme trata de pessoas da classe média baixa, de meia-idade, oprimidas pelas vidas banais e desinteressantes que levam. Interessante notar que a diretora coloca todos na mesma leva, até um músico porra-louca (mal interpretado por um músico porra-louca), que a principio deveria ser um baluarte da vida moderna e interessante. Assim o filme não poupa ninguém, e esmaga à todos.