No Meu Lugar

No Meu Lugar
De Eduardo Valente
Unibanco Arteplex qui 25 21:50
0 ½



Há algo de belo em No Meu Lugar: a forma como o diretor reconstruiu uma história de violência não propriamente interessado nas causas sociais ou nas motivações psicológicas que construíssem um clímax, mas que tenta respirar junto com essas pessoas comuns em seu dia-a-dia pequenos momentos de alegrias e infortúnios. Há algo de belo em como o filme dialoga com um sentido do precário, da instabilidade do mundo e das relações e em como os “tempos fracos” tomam conta do fluir da narrativa.

Há algo em No Meu Lugar que me remete a um certo cinema japonês. O filme me lembrou – não sei ao certo porquê – de Suzaku e Eureka. De Eureka, há a ideia da tragédia e do assassinato e da narrativa que respira com os personagens. De Suzaku já há um outro conjunto de referências: o fato de o autor filmar Laranjeiras e seus arredores, como os locais próximos onde vive (assim como Kawase filma a sua cidade natal Nara), além de ambos serem realizadores com uma relação íntima a Cannes após a repercussão de um primeiro filme (o primeiro longa de Kawase e o primeiro curta de Valente).

Há um certo quê de cinema japonês que por outro lado já nos remete ao primeiro curta de Eduardo Valente, a obra-prima Um Sol alaranjado, que era claramente influenciado pelo cinema de Ozu e também tinha uma certa-estrutura de quebra-cabeças (vide o seu cartaz).

Há um certo quê de um cinema japonês mesmo num certo olhar para a rotina do dia-a-dia ou ainda (eu diria especialmente) na dificuldade de as pessoas demonstrarem os sentimentos, como o pai policial à filha, ou mesmo o menino negro à sua nova namorada. Isso é interessante quando se conhece o diretor (ainda que à distância, como é o meu caso): uma pessoa bastante falante que faz filmes sobre a solidão, o que me lembra o que considero o melhor texto crítico do diretor (Valente também é crítico de cinema) www.contracampo.com.br/43/rumorejosondas.htm . Aliás penso que esse texto talvez seja uma chave de elucidação das intenções do diretor com o filme.

* * *

Mas acontece que ainda que o filme tenha essas premissas interessantes não há como esconder um enorme sentido de frustração ao final da sua exibição. Esses “algos”, essas intenções, acabam se dissolvendo ao longo do filme pela insuficiência da direção em criar uma atmosfera ao filme, tarefa que seria na verdade o grande mérito do diretor. Se o filme parece ter tantos pontos comuns com o cinema japonês, na verdade escapa de sua verdadeira essência: o suposto distanciamento do cinema japonês em ver o mundo desvela no fundo uma enorme intimidade, uma enorme paixão em entender as contradições e os desafios dos seus personagens. No Meu Lugar, ao invés dessa admirável fugacidade, acaba soando ora simples (simplório mesmo) ora frio, simplesmente porque a flutuação de suas “microhistórias” (o filme se desenvolve entrecruzando “pequenos momentos” em torno de três narrativas que ao final – na verdade já ao começo – se cruzam) não envolve o espectador num clima de flutuações, mas meramente revela uma certa banalidade.

Isso porque o bom cinema japonês utiliza esses “tempos fracos” e esse suposto distanciamento para aprofundar as complexidades da natureza humana, diante de uma ontologia refletida numa forma particular de estar no mundo. Valente não consegue imprimir ao filme um olhar que respira com esses personagens mas parece mais preocupado em seguir os estratagemas desses códigos visuais.

Ou ainda, se os “tempos fracos” do cinema japonês sempre apontam para um além do vazio desses planos, em No Meu Lugar o diretor fica simplesmente na ilustração desses “pequenos momentos”, ao invés de simplesmente mergulhar neles. É só pensar por exemplo no que Hou realizou em A viagem do balão vermelho (ver aqui).

Com isso o filme fica sempre a meio caminho entre suas intenções e a sua realização de fato, a meio caminho entre um cinema da beleza e da precariedade dos pequenos momentos da vida (um certo cinema contemporâneo) e um cinema “ilustrativo” de temas e climas, excessivamente dominado pelo bom termo de narrativo, como se algo apontasse para a sua incapacidade de dar um passo além, de decidir claramente o que se quer.


* * *

Isso parece apontar para uma outra coisa além do filme. Me parece que não ousar dar “esse passo além” possa estar relacionado com um universo de expectativas e possibilidades fora do filme. Talvez – ironia perversa do destino – todas as invejáveis condições que o diretor teve para realizar um primeiro filme (ter uma produtora do porte da Videofilmes, a já garantida estréia em Cannes) tenham representado mais um “peso” ao invés de um impulso à criação. Diante de todas essas perspectivas, diante da potência do mundo, Valente preferiu os meios termos, preferiu a opção de fazer um filme “morno”. Diante da beleza dessas oportunidades, é como se o diretor preferisse não arriscar para não correr o risco de errar. Não se comprometeu mas também não ousou ir além. Uma pena, até porque isso parece não ser muito afim com a própria visão de cinema de seus diversos textos críticos, que elogiam o risco, o vigor da criação, a devoção de um realizador por um filme.

Ver No Meu Lugar para mim tem uma outra importância: a de pensar a posição de um crítico quando parte para a realização de um filme, ou ainda, refletir em que medida o crítico, na tessitura da mise en scene de um filme, é coerente com aquilo que defendia para o cinema através de seus textos críticos (veja o que escrevi sobre os filmes de Alex Viany aqui ).

No Meu Lugar me parece um filme com inúmeros pontos em comum com Não Por Acaso: um primeiro longa com um elogiado currículo prévio do diretor como curta-metragista, tendo uma estrutura de produção invejável (O2 ou Videofilmes), um filme com narrativas paralelas que se cruzam, um projeto fracassado diante das expectativas que se impunham. Mas a balança ainda pesa mais favorável ao filme do Barcinski, porque Valente não teve a pressão de uma major em suas costas, e o filme do Barcinski é mais afirmativo como uma espécie de resposta a questões de sua filmografia (para mais detalhes veja o que escrevi sobre Não Por Acaso aqui ).

De qualquer forma, o que falta a No Meu Lugar é o desejo do sonho, o desejo de se aventurar por lugares não-percorridos, por caminhos esguios e sinuosos, um fascínio pela descoberta. Isso – especialmente vindo de um crítico de cinema e de um realizador de um primeiro filme – talvez seja a “crítica mais negativa” que um filme como esse poderia receber.

Comentários

Anônimo disse…
ai meu deus deve ser muito dificil pro critico partir para a realizacao...mas nao por conta de defender os seus pontos de vista e ser corente...mas acho que COMO defender e ser coerente dentro de uma linguagem audiovisual que eh diversa da linguagem literaria...talvez ele mantenha o mesmo ideal de cinema mas nao soube fazer isso em termos de imagem...o que pode ser lamentavel mas nao eh nada facil...

Postagens mais visitadas