Dois Allen

Manhattan
de Woody Allen
*** ½

Annie Hall
de Woody Allen
** ½

Dentro da lotada mostra Woody Allen no Banco do Brasil, numa quente tarde de domingo no vazio Centro do Rio de Janeiro, pude ver com relativa calma os dois primeiros filmes que consagraram Allen: Annie Hall e Manhattan. Dos dois, saí com a impressão de que o último é mais interessante.

Annie Hall ainda está bastante ligado à chamada primeira fase dos filmes do diretor, diretamente influenciados pelo slapstick e por um certo nonsense, com uma comédia mais debochada e irônica. Mas Annie Hall já insere algumas características que se tornaram o rótulo do cinema de Allen, como uma certa crônica de costumes da busca por uma relacionamento estável (ou um grande amor) no coração de Nova Iorque. Annie Hall ainda deve ser visto no conjunto de uma geração de filmes norte-americanos que dialogam com o mainstream (especialmente as indicações ao Oscar) mas que possuem uma proposta de cinema “mais moderninha”, como uma tentativa do mainstream em meados da década de setenta de absorver essa produção independente como resposta às novas demandas do público como reação das transformações da sociedade americana diante de conflitos internos e externos. Mas fora dessa questão “historiográfica” e dessa questão relacional dentro da própria cinematografia de Allen, Annie Hall tem bem menos interesse que Manhattan.

O que é interessante em Manhattan é que esse sim parece ser o primeiro filme em que Allen finalmente encontra o “seu estilo”. Isso porque vendo Manhattan e Annie Hall em sequência nos passa uma ideia de uma trajetória no cinema de Allen, que é o de um depuramento estilístico. Ou seja, cada vez mais Allen vai buscar um cinema econômico em termos de uma mise en scene, um cinema que se apresenta cada vez mais como clássico, um cinema cada vez mais depurado de artifícios virtuosísticos para se ater à sua essência: um cinema de personagens, que fala sobre o papel do acaso e a solidão da existência humana. Parece influenciado por seu ídolo Bergman, só que com humor: mas acontece que esse humor é cada vez mais subentendido à medida que se passam os anos. É só comparar O Dorminhoco e O Sonho de Cassandra. Humor explícito e implícito.

Manhattan é bem menos virtuosístico que Annie Hall, com bem menos trejeitos e cacoetes de comédia e mais direto ao ponto em relação ao que Allen quer dizer. Isso não esconde uma elegância, expressa no cinemascope em preto-e-branco no lindamente fotografado filme por Gordon Willis. Manhattan não busca esconder por trás da comédia a sua melancolia: a questão do filme é a dificuldade (para não dizer a impossibilidade) de se fazer escolhas, pois não se sabe na verdade o que se quer. Não deixa de ser um pouco como os filmes de Rohmer, coisa que Allen vai se aproximar cada vez mais na sua filmografia recente. No final do filme – um lindo final – Allen expõe toda a sua fragilidade: ele é muito mais criança que aquela menina de 17 anos que durante todo o filme ele chamou de imatura. Ora, pois, afinal, o que sabemos da vida?

Ver os dois filmes em seguida nos faz compreender mais a trajetória de Allen, nos ajuda a tirar um pouco dos preconceitos em torno desse cineasta que acho que continua sendo incompreendido na sua busca. E Manhattan certamente é um dos filmes centrais nessa busca, e muito menos datado do que parece a princípio.

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