Diário de uma Prostituta
Pessoal,
meu curta Diário de uma Prostituta estreia no circuito de festivais neste Curta Cinema. Em homenagem a isso, aqui posto alguns comentários sobre o curta.
Diário de uma Prostituta
Sobre a continuidade
Diário de uma Prostituta prossegue minhas preocupações com a família, com o texto em off, com a confissão, com a voz feminina, dialogando ao avesso com vários dos temas de Carta de um Jovem Suicida, meu curta anterior. Prossegue a linha de um cinema precário, caseiro, de planos estáticos e movimento do espírito, totalmente realizado por uma única pessoa, e sem recursos públicos para sua realização.
Sobre o movimento
Diário de uma Prostituta é um filme sobre um movimento. A princípio, parece um curta estático, pois é composto de três planos com câmera parada. Mas de fato se percebemos bem, apenas o primeiro plano é completamente estático, num quarto que não parece o da prostituta, com uma cama de solteiro e uma mesinha de cabeceira retorcida. O plano seguinte, na linha de um trem, com uma câmera baixa que nos lembra os recursos de um certo cinema japonês, só que agora, de forma bem esgarçada, já aponta para um movimento: o movimento de saída da protagonista da casa da mãe para o mundo, ou, por outro lado, o movimento do mundo, pois é filmado numa externa, em que as folhas das árvores tremulam na paisagem do horizonte ao fundo. Já o terceiro plano, é todo movimento: movimento do espírito da protagonista, que busca seu lugar ao sol, movimento dos raios solares, que avançam diante das nossas retinas e por isso não podem passar despercebidos. Dessa forma, é um filme sobre um movimento progressivo, em três atos, até que o último avança para dentro de nós.
Sobre o título
Este curta não se chama “Diário de um pároco” e sim “Diário de uma prostituta”. Não deixa de ser uma espécie de galhofa, mas ao mesmo tempo é um abraço carinhoso ao cinema de Bresson. Bresson adapta o livro de Bermanos; eu, por outro lado, trabalho com material bem menos nobre, o livro da Bruna Surfistinha. Essa transposição é um gesto de generosidade, e ainda um movimento extremamente ousado e reflexivo.
Ademais, esse filme é um diário. Esse termo, para mim, tem uma conotação maior do que poderia ter para Bresson. Um diário, mas não como os diários de Jonas Mekas, e ao mesmo tempo, exatamente como eles: um exercício de confissão, de desnudamento, de desvelamento.
Sobre a minha voz
Minha voz – minha própria voz narrando em detalhes o ofício da protagonista – é um contraponto a todo o possível erotismo que a primeira parte do texto poderia suscitar. Uma voz branca, desmaterializada, e ao mesmo tempo emotiva, viva. Uma voz masculina. Um diário. Uma autobiografia. Bruna Surfistinha, c´est moi. Por que não?
Sobre o porquê da adaptação
Por que adaptar um livro da Bruna Surfistinha? Isso é possível? Esse é o cerne dos desafios que resolvi enfrentar. É possível ver essa personagem, tão rodeada pelos signos midiáticos, simplesmente pelo o que ela tem a dizer? Ainda é possível ver essa mulher como “uma mulher como qualquer outra”? De operária do sexo a uma mulher que sonha com uma família e filhos, Bruna é vista aqui sem a espetacularização midiática, sem o espalhafato da polêmica: apenas as palavras nuas e o texto. Bruna Surfistinha paradoxalmente despida talvez pela primeira vez.
“O importante da vida é nunca desistir de buscar a felicidade”.
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