Os curtas da Ioiô Filmes, o singelo Lírios D´Água e o enfoque das dúvidas da adolescência
A Ioiô Filmes é uma produtora paulistana que tem se destacado pela realização coerente de um conjunto de curtas de jovens realizadores. Esses curtas têm obtido destaque em festivais nacionais e internacionais e, mesmo sendo realizados por diretores distintos, possuem enormes pontos de contato tanto em termos do tema abordado quanto no estilo encontrado para desenvolver suas narrativas. Entre esses curtas, destaco Saliva, de Esmir Filho, Eu e Crocodilos, de Marcela Arantes, e Elo, de Vera Egito. Saliva e Elo, por exemplo, foram exibidos em nada menos que o Festival de Cannes, projetando uma expectativa em torno do futuro trabalho desses jovens diretores. Mas, mais do que isso, me interessa apontar as similaridades entre esses curtas, o que me permite afirmar que podemos falar de um estilo nascente da “Ioiô Filmes”: filmes feitos por jovens realizadores que se debruçam sobre o universo dos adolescentes, envolvendo suas angústias e dúvidas, em geral lidando com sua inexperiência sexual. Partindo de um estilo visual rebuscado, esses autores tentam se inserir num certo contexto do chamado cinema contemporâneo – visto sua inclusão no Festival de Cannes – mas na verdade esse preciosismo visual e sua narrativa fragmentada estão mais próximos da publicidade do que de fato do cinema contemporâneo. É interessante ver esses curtas para pensar como são frágeis os limites entre uma e outra coisa a princípio tão distantes: a plasticidade e a frangmentação narrativa podem gerar um esteticismo, que estaria (talvez) longe de um certo cinema contemporâneo, pelo menos como cultivado aqui neste espaço. Digo talvez entre aspas porque muitas vezes eu penso que esses espaços de culto a um certo cinema contemporâneo acabam cultivando as distorções desse cinema, apelando mesmo para um certo esteticismo, como é o caso da premiação a filmes como Três Macacos e tantos outros. De qualquer forma, o olhar para o universo adolescente da Ioiô Filmes não consegue escapar dos estereótipos geralmente associados a esse núcleo: sua suposta espontaneidade ou sua sofisticação formal buscam as superfícies e não a essência dos conflitos desses adolescentes em formação.
Ao ver esses três curtas, ao acompanhar essa geração que se inicia no cinema (o primeiro longa de Esmir Filho está praticamente pronto), minha primeira vontade é recomendar que vejam um lindo pequeno primeiro filme, curiosamente também exibido em Cannes, chamado Naissance des Puivres, traduzido no Brasil como Lírios d´água, da cineasta estreante francesa Celine Sciamma. Antes de falar sobre o filme, devo rapidamente contar seus infortúnios em relação à sua exibição no Rio de Janeiro. Primeiro, o filme passou no Festival do Rio na Sessão Gay num dia de semana à meia-noite. Nada contra a sessão gay, mas é que essa escolha acabou guetificando o filme, enquanto ele certamente teria a possibilidade de ter um alcance maior, menos restrito a uma sessão à meia-noite numa mostra que tem um contorno temático que não é o ponto-chave do filme. Segundo, ele foi lançado comercialmente ficando uma ou duas semanas numa salinha do Cinemark Downtown, nem tendo crítica sobre o filme. Enfim….
Indo ao filme, Lírios d´água é um filme singelo sobre as dificuldades de um trio de adolescentes mulheres, tentando descobrir sua sexualidade, tentando entender suas próprias preferências, se gostam de mulheres ou de homens e tentando lidar com a vontade do afeto e o receio da possibilidade de serem preteridas. Os adultos praticamente não são vistos durante o filme. A questão é que diferentemente do esteticismo, do rebuscamento visual sofisticado dos curtas da Ioiô Filmes, a estreante Sciamma fez um trabalho de grande maturidade: buscou fazer um trabalho visualmente simples mas enormemente delicado, respeitoso às diferenças e aos dilemas dessas adolescentes tentando se descobrir e se respeitar. Grande parte do filme se passa em torno de uma escola de natação onde um conjunto de meninas treinam nado sincronizado. A tímida protagonista do filme entra nessa escola não necessariamente por sua paixão pelo esporte, mas simplesmente para fazer amizades, para ter contato com o movimento dos corpos, para ver e ser vista. A água, esse elemento que está presente em todo o filme, funciona como uma espécie de síntese dos objetivos da Sciamma: um cinema fluido, delicado, límpido, cristalino, até o belo plano final, que funciona como um abraço carinhoso (o abraço possível) diante de todo o percurso do filme (antes de tudo, é preciso que entendamos as carências do outro). A lição (enorme) de Sciamma é resistir aos cacoetes do chamado cinema contemporâneo: ao mesmo tempo em que olha com simplicidade suas opções para o filme, impregna de maturidade a escolha de suas personagens, ou seja, retira a futilidade tão típica das abordagens do universo adolescente, sem que isso implique perder a leveza, o tom lúdico que ainda é possível ter quando não somos adultos. Em sua singeleza, Lírios d´água, assim como Wendy and Lucy, da Keilly Richardt, são dois pequenos belos filmes, que muito me encantaram nesse último mês, muito mais que, por exemplo, Entre os Muros da Escola ou Desejo e Perigo, só para ficarmos entre recentes vencedores dos chamados principais festivais de cinema do mundo.
Ao ver esses três curtas, ao acompanhar essa geração que se inicia no cinema (o primeiro longa de Esmir Filho está praticamente pronto), minha primeira vontade é recomendar que vejam um lindo pequeno primeiro filme, curiosamente também exibido em Cannes, chamado Naissance des Puivres, traduzido no Brasil como Lírios d´água, da cineasta estreante francesa Celine Sciamma. Antes de falar sobre o filme, devo rapidamente contar seus infortúnios em relação à sua exibição no Rio de Janeiro. Primeiro, o filme passou no Festival do Rio na Sessão Gay num dia de semana à meia-noite. Nada contra a sessão gay, mas é que essa escolha acabou guetificando o filme, enquanto ele certamente teria a possibilidade de ter um alcance maior, menos restrito a uma sessão à meia-noite numa mostra que tem um contorno temático que não é o ponto-chave do filme. Segundo, ele foi lançado comercialmente ficando uma ou duas semanas numa salinha do Cinemark Downtown, nem tendo crítica sobre o filme. Enfim….
Indo ao filme, Lírios d´água é um filme singelo sobre as dificuldades de um trio de adolescentes mulheres, tentando descobrir sua sexualidade, tentando entender suas próprias preferências, se gostam de mulheres ou de homens e tentando lidar com a vontade do afeto e o receio da possibilidade de serem preteridas. Os adultos praticamente não são vistos durante o filme. A questão é que diferentemente do esteticismo, do rebuscamento visual sofisticado dos curtas da Ioiô Filmes, a estreante Sciamma fez um trabalho de grande maturidade: buscou fazer um trabalho visualmente simples mas enormemente delicado, respeitoso às diferenças e aos dilemas dessas adolescentes tentando se descobrir e se respeitar. Grande parte do filme se passa em torno de uma escola de natação onde um conjunto de meninas treinam nado sincronizado. A tímida protagonista do filme entra nessa escola não necessariamente por sua paixão pelo esporte, mas simplesmente para fazer amizades, para ter contato com o movimento dos corpos, para ver e ser vista. A água, esse elemento que está presente em todo o filme, funciona como uma espécie de síntese dos objetivos da Sciamma: um cinema fluido, delicado, límpido, cristalino, até o belo plano final, que funciona como um abraço carinhoso (o abraço possível) diante de todo o percurso do filme (antes de tudo, é preciso que entendamos as carências do outro). A lição (enorme) de Sciamma é resistir aos cacoetes do chamado cinema contemporâneo: ao mesmo tempo em que olha com simplicidade suas opções para o filme, impregna de maturidade a escolha de suas personagens, ou seja, retira a futilidade tão típica das abordagens do universo adolescente, sem que isso implique perder a leveza, o tom lúdico que ainda é possível ter quando não somos adultos. Em sua singeleza, Lírios d´água, assim como Wendy and Lucy, da Keilly Richardt, são dois pequenos belos filmes, que muito me encantaram nesse último mês, muito mais que, por exemplo, Entre os Muros da Escola ou Desejo e Perigo, só para ficarmos entre recentes vencedores dos chamados principais festivais de cinema do mundo.
Comentários
Obrigado e parabéns pelo excelente blog,
Marcelo.
bem-vindo a este blog. Ainda não vi o francês Stella. Quando o vir, posso tentar te responder.
abraço,
De Alice à Saliva, vejo (como você) o mesmo tipo de imagem que se enuncia como poética, mas que está mais para a eficiência publicitária. Isso me fez perceber que numa postura estética não se trata apenas de investir na 'experiência' ou no 'sensorial' (um dos traços do cinema contemporâneo), mas de travar um encontro com sua matéria, tendo como resultado uma forma (mesmo que já haja alguns pressupostos dela). A Ioiô até hoje não parece ter travado realmente esse encontro, só aplicou uma fórmula, por isso seus filmes parecem uma fotocopia chapada de alguns cineastas contemporâneos.
É sintomático o sucesso que fazem nos festivais, o que é até aceitável quando se trata do público, mas dos juris e da crítica... Bem, pelo menos eles podem se tornar bons artesões, se investirem em uma mescla de filme 'poético' com apelo popular, tal como, de outra forma, faz Luiz Fernando Carvalho. De fotografia e direção de arte eles são bem 'competentes', aquele filme 'Espalhadas pelo ar', da Vera Egito, por exemplo, achei muito bonito tecnicamente, pena que fique, como todos, apenas nesse jogo inofensivo de brincar com as imagens. Abraço.