curtas cearenses (I)
CASA DA VOVÓ
de Victor de Mellho
Quando começou a sessão no Cine Glória sobre os curtas contemporâneos cearenses, dentro do programa do Itaú Cultural, só havia eu: isso demonstra o interesse nessa produção (não só isso, claro, fala também do espaço, da divulgação do evento, etc.). Mas enfim lá estava eu para assistir especialmente ao Casa da Vovó, de Victor de Mello. Saí correndo do meu trabalho, especialmente para ver esse curta.
Vendo-o uma única vez é difícil fazer algum comentário, porque uma sensação de estranhamento é inevitável. Além do mais, depois de ler um texto como o do Ricardo Pretti sobre o filme, tenho a sensação de que nada mais tenho a dizer.
Mas aqui neste blog, eu queria registrar uma coisa: para mim foi inevitável ver esse filme sem fazer referências com o meu EM CASA. Victor voltou à casa da Vovó (ele nem “retornou”, provavelmente ele simplesmente “foi”, mas digo “retornou” porque seu curta também é sobre uma memória), assim como no meu Em Casa, eu retorno à casa em que passei uma parte de minha infância para buscar certos rastros de uma memória. No meu filme os sentimentos surgem a partir de um enorme, asfixiante vazio dessa casa, e de uma idéia muito cristalina de uma arquitetura (à medida que os cômodos da casa vão sendo revelados um a um, de forma categórica “este é o quarto”, “esta é a sala”, “este é o escritório”, etc., surge uma gramática de reconstrução de uma afetividade).
Mas enquanto o EM CASA funciona de forma extremamente estrutural, como uma verdadeira corrente, em que um plano puxa o outro, em CASA DA VOVÓ, a corrente é a imaginação, é um fluxo subjetivo com enorme força interior. É certo que Victor também busca uma espécie de esvaziamento da imagem, mas seu filme tem uma presença de vida que impressiona muito e que lhe assegura uma força inesperada. É no seu equilíbrio inesperado entre a vida e a morte que CASA DA VOVÓ nos surpreende pela sua maturidade. Já no EM CASA, o reencontro é baseado num enorme esvaziamento de tudo, é um trabalho baseado no desespero. Até por isso no filme seguinte (o DESERTUM) sinto uma necessidade de sair (a Argentina) e de no final gritar, gritar, gritar. O EM CASA, como o Rosemberg apontou com muita sabedoria, é um filme silencioso, ou seja, é um filme sobre um enorme silêncio.
O CASA DA VOVÓ tem um silêncio, tem um esvaziamento, mas essa recuperação desse passado, dessas pessoas, tem um respeito tão grande por uma integridade da recuperação desse passado que nos enche os olhos. CASA DA VOVÓ é um filme acima de tudo sobre a ÉTICA de poder dialogar com esse passado. É quando vemos como é vão esse negócio de se fazer um “documentário tradicional” sobre a infância, sobre o passado.
CASA DA VOVÓ tem algumas crianças, em dois momentos mágicos, um deles analisado com maestria pelo Ricardo Pretti. Essa criança tem uma percepção quase mágica do que está acontecendo ali, ela tem uma relação de cumplicidade tanto com o realizador quando com a câmera mas especialmente com o espectador. Tem uma ternura que para mim é um sinal de esperança. A casa da vovó vira a casa da neta.
Há um momento em que há uma transformação mágica dessa criança em frente à câmera. A câmera é sinal de transformação: a criança deixa de chorar, e ri, com a presença da câmera que não é invasiva e sim símbolo de ternura. É o contrário de um curta como Meu Nome É Paulo Leminski, que usa a câmera exatamente como fator de invasão e humilhação.
Afinal, queria falar sobre o final de CASA DA VOVÓ, que é um final que me lembrou o EM CASA: a câmera circular que revela ao final de seu curso o próprio realizador. Mas ao invés da casa presa no computador, uma foto, que quase dá no mesmo: do passado ao hoje, o respeito ao espaço físico, o filme pessoal. CASA DA VOVÓ nos reensina a olhar, assume que o olhar pode ser uma coisa digna, um enorme respeito a um espaço e a um tempo. Não é pouco.
de Victor de Mellho
Quando começou a sessão no Cine Glória sobre os curtas contemporâneos cearenses, dentro do programa do Itaú Cultural, só havia eu: isso demonstra o interesse nessa produção (não só isso, claro, fala também do espaço, da divulgação do evento, etc.). Mas enfim lá estava eu para assistir especialmente ao Casa da Vovó, de Victor de Mello. Saí correndo do meu trabalho, especialmente para ver esse curta.
Vendo-o uma única vez é difícil fazer algum comentário, porque uma sensação de estranhamento é inevitável. Além do mais, depois de ler um texto como o do Ricardo Pretti sobre o filme, tenho a sensação de que nada mais tenho a dizer.
Mas aqui neste blog, eu queria registrar uma coisa: para mim foi inevitável ver esse filme sem fazer referências com o meu EM CASA. Victor voltou à casa da Vovó (ele nem “retornou”, provavelmente ele simplesmente “foi”, mas digo “retornou” porque seu curta também é sobre uma memória), assim como no meu Em Casa, eu retorno à casa em que passei uma parte de minha infância para buscar certos rastros de uma memória. No meu filme os sentimentos surgem a partir de um enorme, asfixiante vazio dessa casa, e de uma idéia muito cristalina de uma arquitetura (à medida que os cômodos da casa vão sendo revelados um a um, de forma categórica “este é o quarto”, “esta é a sala”, “este é o escritório”, etc., surge uma gramática de reconstrução de uma afetividade).
Mas enquanto o EM CASA funciona de forma extremamente estrutural, como uma verdadeira corrente, em que um plano puxa o outro, em CASA DA VOVÓ, a corrente é a imaginação, é um fluxo subjetivo com enorme força interior. É certo que Victor também busca uma espécie de esvaziamento da imagem, mas seu filme tem uma presença de vida que impressiona muito e que lhe assegura uma força inesperada. É no seu equilíbrio inesperado entre a vida e a morte que CASA DA VOVÓ nos surpreende pela sua maturidade. Já no EM CASA, o reencontro é baseado num enorme esvaziamento de tudo, é um trabalho baseado no desespero. Até por isso no filme seguinte (o DESERTUM) sinto uma necessidade de sair (a Argentina) e de no final gritar, gritar, gritar. O EM CASA, como o Rosemberg apontou com muita sabedoria, é um filme silencioso, ou seja, é um filme sobre um enorme silêncio.
O CASA DA VOVÓ tem um silêncio, tem um esvaziamento, mas essa recuperação desse passado, dessas pessoas, tem um respeito tão grande por uma integridade da recuperação desse passado que nos enche os olhos. CASA DA VOVÓ é um filme acima de tudo sobre a ÉTICA de poder dialogar com esse passado. É quando vemos como é vão esse negócio de se fazer um “documentário tradicional” sobre a infância, sobre o passado.
CASA DA VOVÓ tem algumas crianças, em dois momentos mágicos, um deles analisado com maestria pelo Ricardo Pretti. Essa criança tem uma percepção quase mágica do que está acontecendo ali, ela tem uma relação de cumplicidade tanto com o realizador quando com a câmera mas especialmente com o espectador. Tem uma ternura que para mim é um sinal de esperança. A casa da vovó vira a casa da neta.
Há um momento em que há uma transformação mágica dessa criança em frente à câmera. A câmera é sinal de transformação: a criança deixa de chorar, e ri, com a presença da câmera que não é invasiva e sim símbolo de ternura. É o contrário de um curta como Meu Nome É Paulo Leminski, que usa a câmera exatamente como fator de invasão e humilhação.
Afinal, queria falar sobre o final de CASA DA VOVÓ, que é um final que me lembrou o EM CASA: a câmera circular que revela ao final de seu curso o próprio realizador. Mas ao invés da casa presa no computador, uma foto, que quase dá no mesmo: do passado ao hoje, o respeito ao espaço físico, o filme pessoal. CASA DA VOVÓ nos reensina a olhar, assume que o olhar pode ser uma coisa digna, um enorme respeito a um espaço e a um tempo. Não é pouco.
Comentários
Minha vida agradece.
Victor de Melo.
fotógrafo muito talentoso.
há vida nessas imagens.