Lady Chatterley
Lady Chatterley
De Pascale Ferran
Espaço 1 sab 21hs
***
A adaptação do clássico livro de D. W. Lawrence traz, ao redor de si, o mito do clássico e a aura de escândalo. Propício ao tema da descoberta da sexualidade, a tentação de fazer um trabalho apelativo ou sensacionalista. Mas a cineasta francesa Pascale Ferran, ao encarar esse desafio, fez uma fiel adaptação do romance, de uma forma absolutamente criteriosa e respeitosa ao espírito do livro. Tipicamente francês, Lady Chatterley é um filme intimista com tempos bem mais largos que o cinema de arte convencional. A leitura de Ferran valorizou os principais aspectos do livro sem torná-los superficiais: o incrível é esse olhar delicado e refinado com que se trabalha o filme sem de modo algum torná-lo simplório ou banal.
Basicamente o filme tem um roteiro bastante simples: uma mulher rica, que mora numa casa de campo com o marido paralítico (acidente de guerra) tem um caso com o “guarda-caças” (o caseiro) da enorme fazenda. Em casa, essa mulher serve aos padrões da conservadora sociedade da época; fora dela, em seu redor, essa mulher descobre um mundo escondido mas pronto para ser descoberto. Ela descobre a natureza, o sexo, o desejo, a vida. De base romântica, esse desejo de libertação, é um encontro com a natureza: natureza das coisas (as flores colhidas no jardim) e natureza do corpo (o torso nu do guarda-caças). Acontece que o filme também é um comentário sobre a luta de classes. Nesse ponto, é quase como o antípoda de Santiago, quando mostra o contato íntimo e possível entre “patrão” e “empregado”. Mas essa separação de classes a princípio revela-se uma barreira a ser vencida, talvez a principal. Mas não é só isso: esses dois amantes precisam descobrir seus próprios corpos e como lidar com o sexo. À medida que o filme avança, acompanhamos esse “libertar-se” dos dois protagonistas (e não só dela), quase como se fosse uma “educação sentimental”, mas de uma forma tão delicada e íntima que nos surpreende. Ferran, mesmo numa estética de narrativa clássica, domina os tempos e os espaços, e é impressionante como essa natureza fala ao longo do filme, e isso é fundamental, pois a natureza talvez seja a protagonista dessa história.
Processo de libertação do mundo é processo de descoberta da natureza e do sexo. Há uma linda cena que é síntese desse percurso: um banho de chuva em que o casal faz amor sobre a relva, e logo em seguida, na cabana, ele coloca flores sobre o sexo de sua amada. Cinema racional e sensorial, filmado com enorme delicadeza mas com inegável segurança, com uma distância respeitosa mas também feito de planos-detalhe e de elipses que nos fascinam, com uma música sutil no início de alguns blocos e um bonito som ambiente nas cenas em que normalmente viria música, Lady Chatterley é uma adaptação correta que vai além da correção: ainda que no final seu ritmo caia um pouco, não nos tira o fascínio pelo filme mais elegante do ano, e pela doçura com que se debruça sobre o lenta e humilde percurso desses personagens em viverem em um mundo mais delicioso e menos repressor.
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De Pascale Ferran
Espaço 1 sab 21hs
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A adaptação do clássico livro de D. W. Lawrence traz, ao redor de si, o mito do clássico e a aura de escândalo. Propício ao tema da descoberta da sexualidade, a tentação de fazer um trabalho apelativo ou sensacionalista. Mas a cineasta francesa Pascale Ferran, ao encarar esse desafio, fez uma fiel adaptação do romance, de uma forma absolutamente criteriosa e respeitosa ao espírito do livro. Tipicamente francês, Lady Chatterley é um filme intimista com tempos bem mais largos que o cinema de arte convencional. A leitura de Ferran valorizou os principais aspectos do livro sem torná-los superficiais: o incrível é esse olhar delicado e refinado com que se trabalha o filme sem de modo algum torná-lo simplório ou banal.
Basicamente o filme tem um roteiro bastante simples: uma mulher rica, que mora numa casa de campo com o marido paralítico (acidente de guerra) tem um caso com o “guarda-caças” (o caseiro) da enorme fazenda. Em casa, essa mulher serve aos padrões da conservadora sociedade da época; fora dela, em seu redor, essa mulher descobre um mundo escondido mas pronto para ser descoberto. Ela descobre a natureza, o sexo, o desejo, a vida. De base romântica, esse desejo de libertação, é um encontro com a natureza: natureza das coisas (as flores colhidas no jardim) e natureza do corpo (o torso nu do guarda-caças). Acontece que o filme também é um comentário sobre a luta de classes. Nesse ponto, é quase como o antípoda de Santiago, quando mostra o contato íntimo e possível entre “patrão” e “empregado”. Mas essa separação de classes a princípio revela-se uma barreira a ser vencida, talvez a principal. Mas não é só isso: esses dois amantes precisam descobrir seus próprios corpos e como lidar com o sexo. À medida que o filme avança, acompanhamos esse “libertar-se” dos dois protagonistas (e não só dela), quase como se fosse uma “educação sentimental”, mas de uma forma tão delicada e íntima que nos surpreende. Ferran, mesmo numa estética de narrativa clássica, domina os tempos e os espaços, e é impressionante como essa natureza fala ao longo do filme, e isso é fundamental, pois a natureza talvez seja a protagonista dessa história.
Processo de libertação do mundo é processo de descoberta da natureza e do sexo. Há uma linda cena que é síntese desse percurso: um banho de chuva em que o casal faz amor sobre a relva, e logo em seguida, na cabana, ele coloca flores sobre o sexo de sua amada. Cinema racional e sensorial, filmado com enorme delicadeza mas com inegável segurança, com uma distância respeitosa mas também feito de planos-detalhe e de elipses que nos fascinam, com uma música sutil no início de alguns blocos e um bonito som ambiente nas cenas em que normalmente viria música, Lady Chatterley é uma adaptação correta que vai além da correção: ainda que no final seu ritmo caia um pouco, não nos tira o fascínio pelo filme mais elegante do ano, e pela doçura com que se debruça sobre o lenta e humilde percurso desses personagens em viverem em um mundo mais delicioso e menos repressor.
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