O Jardineiro Fiel
O Jardineiro Fiel
De Fernando Meirelles
São Luiz 3, dom 18:40
0
O que falar sobre O Jardineiro Fiel? Na verdade, pelo menos para mim, há muito pouco a se dizer.
Walter Salles e Fernando Meirelles: O cinema brasileiro internacional. Dois cinemas opostos. Dois cinemas iguais. WS: “somos pobres mas somos limpinhos. Vitimização” FM: “somos pobres mas somos criativos. Emulação”. Dois cinemas com a síndrome do subdesenvolvimento: um tentando seu espaço pela compaixão ou pelo “sistema de cotas”; outro, pela cópia de um modelo ou pela “bajulação”. Na verdade são o mesmo cinema. Um cinema que usa o Brasil com os objetivos errados. Mas enquanto o primeiro é bem intencionado, o segundo é mau mesmo. Finge ser documentário, finge ter toda uma preocupação social quando no fundo tudo é balela: Cidade de Deus é um western; O Jardineiro Fiel é uma história de amor. No fundo, nenhum contato com a realidade do Quênia é possível, tudo já nos é dado de antemão. O “estilo Meirelles”: toda a suposta denúncia contra a indústria farmacêutica vira o avesso de um filme esquerdista, de denúncia: como esta história é apresentada como um filme policial de detetive tipicamente americano, a narrativa ameniza qualquer capacidade de reflexão e de impulso à ação. Quanto à imagem, o discurso publicitário de Meirelles: um virtuosismo gratuito e barato. (É claro que os grande compositores sabem que os grandes músicos não são os virtuoses, os que têm a necessidade de mostrar que sabem filmar, mas ao contrário). Meirelles confunde documentário e ficção, levando ao caricato a noção de “docudrama”: ele distorce essa relação, esquecendo-se intencionalmente que o verdadeiro documentário é sempre um filme ético. Contra uma ética particular do realizador, do filme, do cinema, Meirelles promove a espetacularização da miséria, da barbárie, da morte. O cinema vira testemunha cruel, impositiva, manipuladora, daninha. É um cinema que aponta, antes de observar; é um cinema que busca a ação, antes da reflexão. Ou seja, o anti-documentário por excelência, o anti-cinema por excelência. Como bom publicitário, Meirelles vende um discurso. Na superfície, é politicamente correto; na essência, é altamente reacionário. O que é o oposto do caso de Walter Salles, que realmente acredita “nos coitadinhos que não nasceram ricos como ele”. Há uma esperança, há um olhar, há uma tentativa sincera e honesta de aproximação. Mas creio que no final dê no mesmo, porque ele não percebe que isso na verdade ratifica os preconceitos sobre o terceiro mundo mais do que realmente contribui para superá-los. O cinema revolucionário deve ser outro. Nem um nem outro. É difícil externalizar mas é por aí.
De Fernando Meirelles
São Luiz 3, dom 18:40
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O que falar sobre O Jardineiro Fiel? Na verdade, pelo menos para mim, há muito pouco a se dizer.
Walter Salles e Fernando Meirelles: O cinema brasileiro internacional. Dois cinemas opostos. Dois cinemas iguais. WS: “somos pobres mas somos limpinhos. Vitimização” FM: “somos pobres mas somos criativos. Emulação”. Dois cinemas com a síndrome do subdesenvolvimento: um tentando seu espaço pela compaixão ou pelo “sistema de cotas”; outro, pela cópia de um modelo ou pela “bajulação”. Na verdade são o mesmo cinema. Um cinema que usa o Brasil com os objetivos errados. Mas enquanto o primeiro é bem intencionado, o segundo é mau mesmo. Finge ser documentário, finge ter toda uma preocupação social quando no fundo tudo é balela: Cidade de Deus é um western; O Jardineiro Fiel é uma história de amor. No fundo, nenhum contato com a realidade do Quênia é possível, tudo já nos é dado de antemão. O “estilo Meirelles”: toda a suposta denúncia contra a indústria farmacêutica vira o avesso de um filme esquerdista, de denúncia: como esta história é apresentada como um filme policial de detetive tipicamente americano, a narrativa ameniza qualquer capacidade de reflexão e de impulso à ação. Quanto à imagem, o discurso publicitário de Meirelles: um virtuosismo gratuito e barato. (É claro que os grande compositores sabem que os grandes músicos não são os virtuoses, os que têm a necessidade de mostrar que sabem filmar, mas ao contrário). Meirelles confunde documentário e ficção, levando ao caricato a noção de “docudrama”: ele distorce essa relação, esquecendo-se intencionalmente que o verdadeiro documentário é sempre um filme ético. Contra uma ética particular do realizador, do filme, do cinema, Meirelles promove a espetacularização da miséria, da barbárie, da morte. O cinema vira testemunha cruel, impositiva, manipuladora, daninha. É um cinema que aponta, antes de observar; é um cinema que busca a ação, antes da reflexão. Ou seja, o anti-documentário por excelência, o anti-cinema por excelência. Como bom publicitário, Meirelles vende um discurso. Na superfície, é politicamente correto; na essência, é altamente reacionário. O que é o oposto do caso de Walter Salles, que realmente acredita “nos coitadinhos que não nasceram ricos como ele”. Há uma esperança, há um olhar, há uma tentativa sincera e honesta de aproximação. Mas creio que no final dê no mesmo, porque ele não percebe que isso na verdade ratifica os preconceitos sobre o terceiro mundo mais do que realmente contribui para superá-los. O cinema revolucionário deve ser outro. Nem um nem outro. É difícil externalizar mas é por aí.
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