(FESTRIO) O Amor Inocente de Carmen
O Amor Inocente de Carmen
De Keisuke Kinoshita
Estação Botafogo 3 qua 23:30
** ½
Ora, ora, quem diria! Até mesmo o artesão Kinoshita tem seus momentos de maior ousadia! Esse Carmen, que parece ter sido um sucesso comercial de Kinoshita, é um filme bem diferente dos dois anteriores do diretor que foram exibidos no Festival. Enquanto O Perfume do Incenso e 24 Olhos descreviam com muita lentidão e sem pressa os elementos típicos da narrativa clássica, com uma estética “limpa”, valorizando os planos gerais, com enorme capricho da mise-en-scene e uma suprema elegância em verdadeiros dramalhões, esse O Amor Inocente de Carmen é uma comédia leve, irônica sobre os costumes da elite da sociedade japonesa, e inclusive sobre o papel do artista. Um humor ácido, valorizado por um uso do corte e da câmera ágeis, que tornam o filme uma espécie de uma screwball comedy japonesa, se isso é possível. Com isso, pela expectativa que eu tinha do filme, dados os filmes anteriores do diretor, foi muito surpreendente e delicioso ver Kinoshita se divertindo em experimentar, em testar, em fazer um filme leve, mas ao mesmo tempo de um humor ácido e crítico. E ver como Kinoshita se sai bem e com desenvoltura adotando um estilo diferente do que o consagrou.
O que mais espanta nesse Carmen é que Kinoshita filma sempre com a câmera “torta” em relação ao seu eixo. Isto é, o enquadramento quase nunca é paralelo ao solo, mas “torto” de forma a sempre valorizar as linhas diagonais, criando uma espécie de desorientação que estimula muito o clima crítico e “tresloucado” dessa “screwball comedy”. Ainda consegue fazê-lo de uma forma leve, de modo que o espectador nunca fique “tonto” ou perturbado pela estranheza do enquadramento. O filme é bastante cortado, com vários campos-contracampos e movimentos ágeis de câmera, coisa extremamente atípica do cinema de Kinoshita.
A história do filme tem tbem seu interesse claro. Um pintor premiado vai se casar com uma mulher que gosta, mas sobretudo pelo seu dinheiro. Nisso acaba conhecendo uma ingênua stripper de uma boite que se oferece para posar para ele, ainda que seja nua, seduzida pelo encanto de estar próxima de um “verdadeiro artista” (ela tbem se julga uma artista). Com isso, o pintor acaba tendo que decidir entre uma e outra. A mulher rica tem uma mãe chatíssima e feia que se candidata a um cargo político. Só que, ao contrário dos filmes americanos, no final o pintor acaba ficando com a mulher rica mesmo, e o amor verdadeiro de Carmen vai pro espaço, e ela tem que continuar com a sua vidinha de sempre. Por outro lado, a mãe perde as eleições. Com isso, por trás do filme inconseqüente, Kinoshita aborda o sonho de “ascensão econômica” típica do Plano Marshall (o filme é de 1952) e coloca o papel do artista diretamente em cheque nesse contexto (o artista do filme veio da França e adota uma postura utilitarista tipicamente ocidental). Quem no fundo representa a velha tradição dos costumes orientais é a Carmen do título, com quem simpatizamos, mas no fundo ela é muito ingênua para conseguir algo da vida. Ou seja, o filme critica todos os lados, mostrando, como típico filme oriental, a dificuldade do consenso entre tradição e modernidade para um novo modo de vida japonês. O final, portanto, quando o pintor fica com a rica, representa um Japão que no fundo opta pelo capitalismo. O cinema pessimista, melancólico e elegante de Kinoshita agora é substituído, com grande desenvoltura por um cinema crítico, ácido e ágil. O que só demonstra a maturidade de Kinoshita como realizador. (obs.: O Amor Inocente de Carmen é anterior aos outros dois filmes que vi).
De Keisuke Kinoshita
Estação Botafogo 3 qua 23:30
** ½
Ora, ora, quem diria! Até mesmo o artesão Kinoshita tem seus momentos de maior ousadia! Esse Carmen, que parece ter sido um sucesso comercial de Kinoshita, é um filme bem diferente dos dois anteriores do diretor que foram exibidos no Festival. Enquanto O Perfume do Incenso e 24 Olhos descreviam com muita lentidão e sem pressa os elementos típicos da narrativa clássica, com uma estética “limpa”, valorizando os planos gerais, com enorme capricho da mise-en-scene e uma suprema elegância em verdadeiros dramalhões, esse O Amor Inocente de Carmen é uma comédia leve, irônica sobre os costumes da elite da sociedade japonesa, e inclusive sobre o papel do artista. Um humor ácido, valorizado por um uso do corte e da câmera ágeis, que tornam o filme uma espécie de uma screwball comedy japonesa, se isso é possível. Com isso, pela expectativa que eu tinha do filme, dados os filmes anteriores do diretor, foi muito surpreendente e delicioso ver Kinoshita se divertindo em experimentar, em testar, em fazer um filme leve, mas ao mesmo tempo de um humor ácido e crítico. E ver como Kinoshita se sai bem e com desenvoltura adotando um estilo diferente do que o consagrou.
O que mais espanta nesse Carmen é que Kinoshita filma sempre com a câmera “torta” em relação ao seu eixo. Isto é, o enquadramento quase nunca é paralelo ao solo, mas “torto” de forma a sempre valorizar as linhas diagonais, criando uma espécie de desorientação que estimula muito o clima crítico e “tresloucado” dessa “screwball comedy”. Ainda consegue fazê-lo de uma forma leve, de modo que o espectador nunca fique “tonto” ou perturbado pela estranheza do enquadramento. O filme é bastante cortado, com vários campos-contracampos e movimentos ágeis de câmera, coisa extremamente atípica do cinema de Kinoshita.
A história do filme tem tbem seu interesse claro. Um pintor premiado vai se casar com uma mulher que gosta, mas sobretudo pelo seu dinheiro. Nisso acaba conhecendo uma ingênua stripper de uma boite que se oferece para posar para ele, ainda que seja nua, seduzida pelo encanto de estar próxima de um “verdadeiro artista” (ela tbem se julga uma artista). Com isso, o pintor acaba tendo que decidir entre uma e outra. A mulher rica tem uma mãe chatíssima e feia que se candidata a um cargo político. Só que, ao contrário dos filmes americanos, no final o pintor acaba ficando com a mulher rica mesmo, e o amor verdadeiro de Carmen vai pro espaço, e ela tem que continuar com a sua vidinha de sempre. Por outro lado, a mãe perde as eleições. Com isso, por trás do filme inconseqüente, Kinoshita aborda o sonho de “ascensão econômica” típica do Plano Marshall (o filme é de 1952) e coloca o papel do artista diretamente em cheque nesse contexto (o artista do filme veio da França e adota uma postura utilitarista tipicamente ocidental). Quem no fundo representa a velha tradição dos costumes orientais é a Carmen do título, com quem simpatizamos, mas no fundo ela é muito ingênua para conseguir algo da vida. Ou seja, o filme critica todos os lados, mostrando, como típico filme oriental, a dificuldade do consenso entre tradição e modernidade para um novo modo de vida japonês. O final, portanto, quando o pintor fica com a rica, representa um Japão que no fundo opta pelo capitalismo. O cinema pessimista, melancólico e elegante de Kinoshita agora é substituído, com grande desenvoltura por um cinema crítico, ácido e ágil. O que só demonstra a maturidade de Kinoshita como realizador. (obs.: O Amor Inocente de Carmen é anterior aos outros dois filmes que vi).
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