Batalha de Rosas

Batalha de Rosas
De Mikio Naruse
VHS, sab 3 set 10hs
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O cinema de Naruse é extremamente sutil e difícil de ser desvelado, porque Naruse é um artesão que trabalha copiosamente para ocultar um estilo. Trata-se quase de um artista medieval, extremamente absorto com os problemas de seu tempo, dedicado fielmente, como um servo, a melhor cumprir o seu ofício. É o segundo filme que vejo do diretor, e mais uma vez me surpreende sua devoção a um “cinema do mesmo”, a sua pretensão de uma certa invisibilidade, e como tradição e modernidade se intrincham de forma integrada e polida.

Conservador, moralista, a proposta do cinema de Naruse, e aqui retomo este Batalha de Rosas, é fazer uma investigação do esforço de reconstrução do Japão no pós-guerra, ou ainda da “contrapartida moral” que se paga para a reconstrução econômica. O tema da independência da mulher, a relação entre amor e negócios, a tentativa de reconstrução são todos trabalhados no filme de forma implícita. A trama não revela muito interesse, a artesania idem, mas ao mesmo tempo o estilo de Naruse (objetivo-contemplativo) seduz porque se desvela através de um lento processo de construção arquitetônica, em que o objetivo de Naruse é exatamente de reconstruir a “velha tradição moral” das artes japonesas. As três mulheres passam a ser o arquétipo da sociedade japonesa, e a crítica sutil ao desejo de capitalismo me lembra Bom Dia, de Ozu. A ‘leve ironia cáustica’ de Naruse é essa: ele exibe com melancolia e conformismo o painel sombrio dos novos tempos, mas seu cinema é extremamente consciente da necessidade de engajamento nessa “estética moral”, ou no “realinhamento”. Mas o faz como típico japonês: de forma tímida, dolorida, autocrítica e observadora. Três mulheres querem mudar o rumo das coisas: a primeira acha que a reforma é para o capitalismo, custe o que custar; a segunda, busca a reforma dos costumes, dos comportamentos. A terceira incorpora a virtude, a temperança, a justiça, ou seja, a velha tradição japonesa. Tradicionalista, conservador, Batalha de Rosas faz buscar sua ascese por meio de sacrifícios, artifícios e uma ascese moral. Mas seu cinema não é o de Dreyer ou de Kieslowski: o faz através de uma estética fria, de um processo de invisibilidade de autoria, de um materialismo duro, doloroso, sem meios-tempos ou sinais entrecobertos. O melodrama está lá o tempo todo mas não se apresenta, e sim se oculta: os personagens escondem suas intenções para si mesmos, como se tivessem vergonha de seus destinos, irreversíveis. Costurando plano a plano, delicadamente como lhe parece ser possível para esse típico japonês que não fica muito à vontade em mostrar os sentimentos, o cinema feminino de Naruse não parece ter um orgulho e uma iluminação particulares no ato de se fazer cinema. Suas intenções são outras, distantes do fanatismo romântico do autor ocidental. A última palavra que se pode aplicar a Naruse é “gênio”: cada pincelada parece ser dada com enorme esforço, para que o equilíbrio consiga se restabelecer pelo menos no cinema.

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