Guerra dos Mundos
Guerra dos Mundos
De Steven Spielberg
Unibanco Arteplex 6, qua 13 de julho 19hs
***
A melhor definição sobre Guerra dos Mundos é que não se trata de um filme “sobre alienígenas que invadem o Planeta Terra e querem dizimar sua população”, mas sim que é “uma história sobre um pai que, diante das maiores adversidades possíveis e inimagináveis, tenta, a qualquer custo, manter sua família unida”. Esse sentimento do dever, essa necessidade do reforço dos laços da família comum americana, são características comuns do cinema humanista, ético e – também, claro – moralista de Steven Spielberg. Mas se Guerra dos Mundos é um grande veículo do cinemão americano, ou seja, do cinema espetáculo, também não deixa de ser um retrato pessoal das angústias de um cineasta no auge de sua maturidade de expressão artística e técnica. A grande contribuição de Guerra dos Mundos aos tantos blockbusters que recentemente têm invadido com maior freqüência nossas telas – só nesse momento estão em cartaz Quarteto Fantástico, Batman Begins e Star Wars III – é que o cinema de impacto, a ação extasiante, a “sensação da montanha russa”, nunca fazem submergir a primazia de um cinema humano, de grande repercussão ética e de indizível impacto emocional. Nos últimos cinco filmes, Spielberg, depois de um longo hiato sem filmar, vem construindo uma filmografia bastante coerente, deixando de lado os preconceitos tanto em relação à sua primeira fase (“os filmes inconseqüentes de aventura”) quanto à sua segunda (“os dramas oscarizáveis”). Os fascinantemente sombrios A.I. e Minority Report já apontavam para uma vitalidade em termos da estética e uma ambigüidade que nunca foram típicas do ingênuo cinema do diretor. Ainda, duas pausas memoráveis como Terminal (um diálogo com o cinema de Capra), e especialmente Prenda-me se for capaz, uma espécie de declaração de princípios do diretor, realimentavam seu espírito criativo. Mas depois das saudáveis pausas, o retorno, que mostra que Spielberg ainda quer fazer projetos ambiciosos que se insiram diretamente no mainstream do cinema americano. Guerra dos Mundos, adaptação do antológico romance de H. G. Wells, não é uma ficção científica, e sim um filme metafísico de terror. Sem motivo aparente, extraterrestres invadem o Planeta Terra, e iniciam seu plano de extermínio. Uma família comum – Tom Cruise e seus dois filhos – tentam fugir para Denver, para reencontrar sua esposa, mãe de seus filhos. Só que o “herói da família” foge sem ter a menor idéia do que fazer, é completamente impotente para tentar superar seus ultrapoderosos inimigos. O filme então se revela uma profunda metáfora sobre a impotência da condição humana, a inevitabilidade da morte e como, ainda assim, existe a necessidade do conforto. Esse herói é covarde, egoísta, chega a se tornar mesmo um assassino. Mas ele tem talvez uma única virtude, uma única força: seu desejo em manter sua família unida, seu amor àqueles filhos. Sua desesperada luta pela sobrevivência se torna cada vez mais improvável, cada vez mais impossível. Ou seja, assistir a Guerra dos Mundos é uma experiência asfixiante, quase torturante para o espectador. Nessa espécie de travessia, Tom Cruise perde tudo, mas o faz para proteger os seus filhos. Seu percurso é quase o avesso da odisséia de um Rastros de Ódio (Tom Cruise foge dos inimigos, John Wayne os caça; ou ainda, Wayne ao final fica na casa vazia, Cruise, ao longe da casa com a família distante), mas o destino final é o mesmo: feita a difícil travessia, resta a solidão. Extremamente sombrio, não raras vezes doloroso e amargo (o banho de sangue, a tomada do carro, a necessidade do assassinato), Guerra dos Mundos é também uma espécie de via-crúcis religiosa, com muitos paralelos com A Paixão de Cristo (o filme do Mel Gibson) e – é claro – o cinema de M. Night Shyamalan (especialmente Sinais). Mesmo as churumelas típicas do estilo moralista de Spielberg e os nítidos problemas de ritmo (o filme foi claramente mutilado, especialmente na parte final) não escondem a importância do ambicioso Guerra dos Mundos, a de provar que ainda é possível inteligência do mainstream do cinema americano, e, evidentemente, pela maestria com que Spielberg comanda a complexa operação técnica da artesania de um caríssimo filme-espetáculo.
De Steven Spielberg
Unibanco Arteplex 6, qua 13 de julho 19hs
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A melhor definição sobre Guerra dos Mundos é que não se trata de um filme “sobre alienígenas que invadem o Planeta Terra e querem dizimar sua população”, mas sim que é “uma história sobre um pai que, diante das maiores adversidades possíveis e inimagináveis, tenta, a qualquer custo, manter sua família unida”. Esse sentimento do dever, essa necessidade do reforço dos laços da família comum americana, são características comuns do cinema humanista, ético e – também, claro – moralista de Steven Spielberg. Mas se Guerra dos Mundos é um grande veículo do cinemão americano, ou seja, do cinema espetáculo, também não deixa de ser um retrato pessoal das angústias de um cineasta no auge de sua maturidade de expressão artística e técnica. A grande contribuição de Guerra dos Mundos aos tantos blockbusters que recentemente têm invadido com maior freqüência nossas telas – só nesse momento estão em cartaz Quarteto Fantástico, Batman Begins e Star Wars III – é que o cinema de impacto, a ação extasiante, a “sensação da montanha russa”, nunca fazem submergir a primazia de um cinema humano, de grande repercussão ética e de indizível impacto emocional. Nos últimos cinco filmes, Spielberg, depois de um longo hiato sem filmar, vem construindo uma filmografia bastante coerente, deixando de lado os preconceitos tanto em relação à sua primeira fase (“os filmes inconseqüentes de aventura”) quanto à sua segunda (“os dramas oscarizáveis”). Os fascinantemente sombrios A.I. e Minority Report já apontavam para uma vitalidade em termos da estética e uma ambigüidade que nunca foram típicas do ingênuo cinema do diretor. Ainda, duas pausas memoráveis como Terminal (um diálogo com o cinema de Capra), e especialmente Prenda-me se for capaz, uma espécie de declaração de princípios do diretor, realimentavam seu espírito criativo. Mas depois das saudáveis pausas, o retorno, que mostra que Spielberg ainda quer fazer projetos ambiciosos que se insiram diretamente no mainstream do cinema americano. Guerra dos Mundos, adaptação do antológico romance de H. G. Wells, não é uma ficção científica, e sim um filme metafísico de terror. Sem motivo aparente, extraterrestres invadem o Planeta Terra, e iniciam seu plano de extermínio. Uma família comum – Tom Cruise e seus dois filhos – tentam fugir para Denver, para reencontrar sua esposa, mãe de seus filhos. Só que o “herói da família” foge sem ter a menor idéia do que fazer, é completamente impotente para tentar superar seus ultrapoderosos inimigos. O filme então se revela uma profunda metáfora sobre a impotência da condição humana, a inevitabilidade da morte e como, ainda assim, existe a necessidade do conforto. Esse herói é covarde, egoísta, chega a se tornar mesmo um assassino. Mas ele tem talvez uma única virtude, uma única força: seu desejo em manter sua família unida, seu amor àqueles filhos. Sua desesperada luta pela sobrevivência se torna cada vez mais improvável, cada vez mais impossível. Ou seja, assistir a Guerra dos Mundos é uma experiência asfixiante, quase torturante para o espectador. Nessa espécie de travessia, Tom Cruise perde tudo, mas o faz para proteger os seus filhos. Seu percurso é quase o avesso da odisséia de um Rastros de Ódio (Tom Cruise foge dos inimigos, John Wayne os caça; ou ainda, Wayne ao final fica na casa vazia, Cruise, ao longe da casa com a família distante), mas o destino final é o mesmo: feita a difícil travessia, resta a solidão. Extremamente sombrio, não raras vezes doloroso e amargo (o banho de sangue, a tomada do carro, a necessidade do assassinato), Guerra dos Mundos é também uma espécie de via-crúcis religiosa, com muitos paralelos com A Paixão de Cristo (o filme do Mel Gibson) e – é claro – o cinema de M. Night Shyamalan (especialmente Sinais). Mesmo as churumelas típicas do estilo moralista de Spielberg e os nítidos problemas de ritmo (o filme foi claramente mutilado, especialmente na parte final) não escondem a importância do ambicioso Guerra dos Mundos, a de provar que ainda é possível inteligência do mainstream do cinema americano, e, evidentemente, pela maestria com que Spielberg comanda a complexa operação técnica da artesania de um caríssimo filme-espetáculo.
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