UM FILME FALADO
Um Filme Falado
De Manoel de Oliveira
Unibanco Arteplex 2, dom 29 abril 13:20
***½
A emoção ao ver Um Filme Falado foi tão grande que todo o filme passou a ser em relação a esse estado de espírito. O domingo chuvoso, a espera ansiosa desde a quinta-feira quando soube da notícia da estréia do filme, a sala lotada às 13:20 para conferir o último filme deste jovem diretor de noventa e tantos anos. E o filme é maravilhoso. Manoel de Oliveira filma com tanta sabedoria que ficamos diante de uma espécie de iluminação, em estado puro de graça, de êxtase. Logo nos seus primeiros planos, uma declaração de princípios: os figurantes acenando com lenços brancos em terra, corta para o contracampo de Leonor Silveira e sua filhinha embarcando solitárias em um grande cruzeiro. Os primeiros dez minutos: campo-contracampo, voz off, a câmera imóvel. Ou seja, o cinema elementar, em sua forma mais básica assume um estado não de primarismo mas de pureza, de purificação. Manoel de Oliveira, o sábio.
Um filme sobre a tolerância. A viagem, o passeio, a várias civilizações em tom quase didático, como é o próprio cinema de Oliveira. A filha tem muitas perguntas, há tanta coisa a se responder.... os tesouros da humanidade estão cheios de turistas, a história virou produto de consumo de massa (faltaram os japoneses e suas câmeras...). Os guias se multiplicam, a quantidade de informação se dissipa, os sons estridentes da cidade ao fundo oprimem a imponência do lugar. Tudo filmado com uma sabedoria... um cinema do registro, sem julgar as imagens e os personagens...
As sereias são seres míticos que acompanham as embarcações, navegam ao seu lado, abençoando os navegantes. “elas existem?”, pergunta a menina. ‘Talvez”, responde a mãe. E de forma recorrente surge o muito emocionante plano do casco da embarcação, um “plano ponto de vista” das sereias imaginárias.
E vamos para o interior do navio. Vinte minutos quase de diálogos banais: amor, traição, etc. Mas são quatro atores extraordinários: John Malkovich, Irene Papas, Catherine Deneuve, Stefania Sandrelli. Quatro atores, cada um com sua língua. Eles se comunicam falando em sua língua original. A sonoridade da linguagem, da língua, é respeitada em sua forma mais pura, como forma de expressão e de existir...
E aí Irene Papas começa a cantar uma música em grego, falando de suas origens, sobre a poesia de uma pequena árvore. É quando o filme permite um de seus raríssimos movimentos de câmera, acompanhando a perambulação despercebida da atriz/cantora pelo salão de jantar. No meio desse estado de expressão pura, uma notícia, o súbito anúncio: uma bomba prestes a explodir.
A mãe e a filha portuguesas retornam a seu quarto para juntar suas coisas. As duas fogem, mas a menina retorna a seu quarto para pegar a boneca. A mãe volta para pegar sua boneca, sua filha. Cada um dos corredores de acesso é filmado nesse percurso, entre o ir e o voltar das duas. O espaço físico, o percorrer, a distância, são respeitados em sua integridade mais absoluta.
Mas é tarde demais. O bote já havia saído. No grande transatlântico, as duas, mãe e filha, condenadas pela busca de uma boneca. No pequeno frágil bote, os representantes das civilizações, ali reunidos. Mas é tarde demais. Tudo explode. É o fim de Portugal, o que, ao final do filme, já descobrimos que, infelizmente, não é o fim de muita coisa.
De Manoel de Oliveira
Unibanco Arteplex 2, dom 29 abril 13:20
***½
A emoção ao ver Um Filme Falado foi tão grande que todo o filme passou a ser em relação a esse estado de espírito. O domingo chuvoso, a espera ansiosa desde a quinta-feira quando soube da notícia da estréia do filme, a sala lotada às 13:20 para conferir o último filme deste jovem diretor de noventa e tantos anos. E o filme é maravilhoso. Manoel de Oliveira filma com tanta sabedoria que ficamos diante de uma espécie de iluminação, em estado puro de graça, de êxtase. Logo nos seus primeiros planos, uma declaração de princípios: os figurantes acenando com lenços brancos em terra, corta para o contracampo de Leonor Silveira e sua filhinha embarcando solitárias em um grande cruzeiro. Os primeiros dez minutos: campo-contracampo, voz off, a câmera imóvel. Ou seja, o cinema elementar, em sua forma mais básica assume um estado não de primarismo mas de pureza, de purificação. Manoel de Oliveira, o sábio.
Um filme sobre a tolerância. A viagem, o passeio, a várias civilizações em tom quase didático, como é o próprio cinema de Oliveira. A filha tem muitas perguntas, há tanta coisa a se responder.... os tesouros da humanidade estão cheios de turistas, a história virou produto de consumo de massa (faltaram os japoneses e suas câmeras...). Os guias se multiplicam, a quantidade de informação se dissipa, os sons estridentes da cidade ao fundo oprimem a imponência do lugar. Tudo filmado com uma sabedoria... um cinema do registro, sem julgar as imagens e os personagens...
As sereias são seres míticos que acompanham as embarcações, navegam ao seu lado, abençoando os navegantes. “elas existem?”, pergunta a menina. ‘Talvez”, responde a mãe. E de forma recorrente surge o muito emocionante plano do casco da embarcação, um “plano ponto de vista” das sereias imaginárias.
E vamos para o interior do navio. Vinte minutos quase de diálogos banais: amor, traição, etc. Mas são quatro atores extraordinários: John Malkovich, Irene Papas, Catherine Deneuve, Stefania Sandrelli. Quatro atores, cada um com sua língua. Eles se comunicam falando em sua língua original. A sonoridade da linguagem, da língua, é respeitada em sua forma mais pura, como forma de expressão e de existir...
E aí Irene Papas começa a cantar uma música em grego, falando de suas origens, sobre a poesia de uma pequena árvore. É quando o filme permite um de seus raríssimos movimentos de câmera, acompanhando a perambulação despercebida da atriz/cantora pelo salão de jantar. No meio desse estado de expressão pura, uma notícia, o súbito anúncio: uma bomba prestes a explodir.
A mãe e a filha portuguesas retornam a seu quarto para juntar suas coisas. As duas fogem, mas a menina retorna a seu quarto para pegar a boneca. A mãe volta para pegar sua boneca, sua filha. Cada um dos corredores de acesso é filmado nesse percurso, entre o ir e o voltar das duas. O espaço físico, o percorrer, a distância, são respeitados em sua integridade mais absoluta.
Mas é tarde demais. O bote já havia saído. No grande transatlântico, as duas, mãe e filha, condenadas pela busca de uma boneca. No pequeno frágil bote, os representantes das civilizações, ali reunidos. Mas é tarde demais. Tudo explode. É o fim de Portugal, o que, ao final do filme, já descobrimos que, infelizmente, não é o fim de muita coisa.
Comentários
em tempo: obrigado pelo convite, estarei no ccbb no domingo. abs. alvaro.