A Casa de Areia
A Casa de Areia
De Andrucha Waddington
São Luiz 3, 26 de maio de 2005 15:20
**
Precisava ainda escrever sobre Casa de Areia, que vi há algum tempo atrás no São Luiz. Primeiro uma coisa engraçada. O filme passou às 15:20, sendo que Star Wars III ficou esgotado na sessão de 15hs, então algumas pessoas para não perderem a viagem acabaram indo ver o Casa de Areia. Daí que quando o filme começou deu pra perceber que essas pessoas ficaram muito indignadas, muito ofendidas com o ritmo de Casa de Areia. As pessoas simplesmente não conseguiam acreditar, achavam que era um pesadelo ou uma espécie de piada de mau gosto com o dinheiro delas, e gritavam coisas como “não é possível”, “o que é isso”, nos primeiros quinze minutos quando lentamente somos introduzidos àquele mundo completamente isolado. Depois os gritos pararam, o que pude supor que as pessoas simplesmente desistiram do filme e foram-se embora. Outra: a cópia estava péssima, toda riscada no primeiro rolo. A gente paga caro pra ver o filme no São Luiz e ainda tem que ver uma cópia que parece que veio da Cinemateca do MAM...
Mas enfim vamos ao filme. Estava com uma certa expectativa porque o Andrucha não é um diretor vulgar, isto é, ele tem uma proposta de fazer cinema. Muito havia escutado que dessa vez ele ousou tanto que perdeu a mão, em suas extravagâncias e delírios, então fiquei esperando um filme descosturado como um As Três Marias. Mas não foi isso que vi. Na verdade acabou sendo o contrário. Acho que o problema de Casa de Areia é exatamente o oposto: não é excesso de ousadia, e sim falta dela. Isto é, o filme tem vários gomos, mas a proposta do filme é exatamente “fechar” todos esses gomos ao final, fazer com que tudo fique redondo, explicado, “fechadinho”, enquanto a proposta do filme creio que seria exatamente ser um filme em aberto, abrir suas possibilidades. Mas o cinema de Andrucha é assim mesmo, e daí vem a influência de sua roteirista, a Elena Soares. Para mim, o filme é muito próximo a Eu, Tu, Eles nesse sentido, de ser um trabalho de grande sensibilidade mas ainda ter uma carência de ser um filme realmente em aberto como ele a princípio se propõe. Ainda, a história do triângulo amoroso, que desponta lá pro terço final do filme é puro Eu, Tu, Eles, a idéia de espaço limítrofe, das situações-limite, da fotografia publicitária, etc.
O grande problema do filme sem dúvida é a fotografia. Ora, desde o início sabemos que o espaço físico é completamente opressor: a areia é dura e quente e seca, os personagens estão presos a esse local amplo. Mas o filme é fotografado com uma opulência que traduz uma idéia de liberdade e não de aprisionamento. Pobre Andrucha: ele mesmo foi tragado pelo feitiço de suas imagens sedutoras! Ou seja, as imagens são belíssimas mas pouco acrescentam em termos da dramaturgia do filme. Ao contrário, afastam o espectador de seu filme. O cinemascope, o brilho, a sedução das dunas, nada poderia contrastar mais com o sentimento duro e opressor daquele espaço físico em relação aos personagens!
Casa de Areia me lembrou o antológico Mulher de Areia, o filme japonês do Teshigahara de produção simples (quase todo filmado num estúdio) mas uma verdadeira obra-prima. O sábio Teshigahara filmou o deserto com um quê misterioso, mas seu enquadramento é extremamente claustrofóbico. O filme é todo centrípeta (tudo nos traz para o interior da imagem), enquanto o Casa de Areia é absolutamente centrífugo (o deslumbramento da imagem e do cinemascope nos traz para as bordas da imagem, para um universo em expansão). Ora, o filme japonês fala do aprisionamento desses personagens, de suas limitações, então o próprio quadro os aprisiona. Ou seja, a imagem contribui para a dramaturgia. As belas imagens de Andrucha seduzem o espectador mas o arremessam para fora do conflito, para fora do filme.
Mas Casa de Areia tem méritos. O maior deles é o corte seco com grandes elipses temporais, que fazem com que o espectador só se posicione no filme a posteriori. As atrizes se confundem com os personagens porque os anos passam e os personagens envelhecem, a filha se torna a mãe, e etc. Isso é simples mas tem grande força no filme. O filme tbem fala com as imagens. Ou seja, sua matéria-prima é o cinema, e isso é muito positivo. Então tem partes que nos conquistam, que tem uma grande força. Ao final, fica a sensação de que Andrucha desperdiçou uma oportunidade de fazer um verdadeiro grande filme, mas ainda assim fica a certeza de que ele continua fiel aos seus princípios, e fez um trabalho coerente, de grande envolvimento, de grande risco, de verdadeira entrega pessoal e – mais que tudo – vontade de fazer cinema. Então, o saldo é bem satisfatório, principalmente tendo em vista o cenário triste que vivemos hoje em termos de cinema brasileiro.
De Andrucha Waddington
São Luiz 3, 26 de maio de 2005 15:20
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Precisava ainda escrever sobre Casa de Areia, que vi há algum tempo atrás no São Luiz. Primeiro uma coisa engraçada. O filme passou às 15:20, sendo que Star Wars III ficou esgotado na sessão de 15hs, então algumas pessoas para não perderem a viagem acabaram indo ver o Casa de Areia. Daí que quando o filme começou deu pra perceber que essas pessoas ficaram muito indignadas, muito ofendidas com o ritmo de Casa de Areia. As pessoas simplesmente não conseguiam acreditar, achavam que era um pesadelo ou uma espécie de piada de mau gosto com o dinheiro delas, e gritavam coisas como “não é possível”, “o que é isso”, nos primeiros quinze minutos quando lentamente somos introduzidos àquele mundo completamente isolado. Depois os gritos pararam, o que pude supor que as pessoas simplesmente desistiram do filme e foram-se embora. Outra: a cópia estava péssima, toda riscada no primeiro rolo. A gente paga caro pra ver o filme no São Luiz e ainda tem que ver uma cópia que parece que veio da Cinemateca do MAM...
Mas enfim vamos ao filme. Estava com uma certa expectativa porque o Andrucha não é um diretor vulgar, isto é, ele tem uma proposta de fazer cinema. Muito havia escutado que dessa vez ele ousou tanto que perdeu a mão, em suas extravagâncias e delírios, então fiquei esperando um filme descosturado como um As Três Marias. Mas não foi isso que vi. Na verdade acabou sendo o contrário. Acho que o problema de Casa de Areia é exatamente o oposto: não é excesso de ousadia, e sim falta dela. Isto é, o filme tem vários gomos, mas a proposta do filme é exatamente “fechar” todos esses gomos ao final, fazer com que tudo fique redondo, explicado, “fechadinho”, enquanto a proposta do filme creio que seria exatamente ser um filme em aberto, abrir suas possibilidades. Mas o cinema de Andrucha é assim mesmo, e daí vem a influência de sua roteirista, a Elena Soares. Para mim, o filme é muito próximo a Eu, Tu, Eles nesse sentido, de ser um trabalho de grande sensibilidade mas ainda ter uma carência de ser um filme realmente em aberto como ele a princípio se propõe. Ainda, a história do triângulo amoroso, que desponta lá pro terço final do filme é puro Eu, Tu, Eles, a idéia de espaço limítrofe, das situações-limite, da fotografia publicitária, etc.
O grande problema do filme sem dúvida é a fotografia. Ora, desde o início sabemos que o espaço físico é completamente opressor: a areia é dura e quente e seca, os personagens estão presos a esse local amplo. Mas o filme é fotografado com uma opulência que traduz uma idéia de liberdade e não de aprisionamento. Pobre Andrucha: ele mesmo foi tragado pelo feitiço de suas imagens sedutoras! Ou seja, as imagens são belíssimas mas pouco acrescentam em termos da dramaturgia do filme. Ao contrário, afastam o espectador de seu filme. O cinemascope, o brilho, a sedução das dunas, nada poderia contrastar mais com o sentimento duro e opressor daquele espaço físico em relação aos personagens!
Casa de Areia me lembrou o antológico Mulher de Areia, o filme japonês do Teshigahara de produção simples (quase todo filmado num estúdio) mas uma verdadeira obra-prima. O sábio Teshigahara filmou o deserto com um quê misterioso, mas seu enquadramento é extremamente claustrofóbico. O filme é todo centrípeta (tudo nos traz para o interior da imagem), enquanto o Casa de Areia é absolutamente centrífugo (o deslumbramento da imagem e do cinemascope nos traz para as bordas da imagem, para um universo em expansão). Ora, o filme japonês fala do aprisionamento desses personagens, de suas limitações, então o próprio quadro os aprisiona. Ou seja, a imagem contribui para a dramaturgia. As belas imagens de Andrucha seduzem o espectador mas o arremessam para fora do conflito, para fora do filme.
Mas Casa de Areia tem méritos. O maior deles é o corte seco com grandes elipses temporais, que fazem com que o espectador só se posicione no filme a posteriori. As atrizes se confundem com os personagens porque os anos passam e os personagens envelhecem, a filha se torna a mãe, e etc. Isso é simples mas tem grande força no filme. O filme tbem fala com as imagens. Ou seja, sua matéria-prima é o cinema, e isso é muito positivo. Então tem partes que nos conquistam, que tem uma grande força. Ao final, fica a sensação de que Andrucha desperdiçou uma oportunidade de fazer um verdadeiro grande filme, mas ainda assim fica a certeza de que ele continua fiel aos seus princípios, e fez um trabalho coerente, de grande envolvimento, de grande risco, de verdadeira entrega pessoal e – mais que tudo – vontade de fazer cinema. Então, o saldo é bem satisfatório, principalmente tendo em vista o cenário triste que vivemos hoje em termos de cinema brasileiro.
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