As Cinco Obstruções
As Cinco Obstruções
De Lars von Trier e Jorgen Leth
É tudo verdade, Odeon, 2 de abril, 15:30 hs
**½
É muito interessante ver um filme como As Cinco Obtruções num festival de documentário, porque a forma como o filme faz documentário é muito criativa. Sua estrutura é complexa: Lars von Trier convida um grande cineasta dinamarquês (Leth) mas meio esquecido para fazer cinco novas versões de um curta clássico do cinema dinamarquês dirigido pelo próprio Leth (O Homem Perfeito), sendo que Lars dita algumas regras que Leth tem que seguir rigorosamente. Versão 1) rodado em Cuba, com planos com no máximo 12 frames; versão 2) rodado num lugar miserável, com o próprio Leth de ator; versão 3) adaptação livre; versão 4) um cartoon; versão 5) imagens de Lars, com texto escrito por Lars e lido por Leth. O filme então se torna uma espécie de um making of dessas cinco versões, mostrando as dificuldades de Leth em acolher os caprichos sádicos de Lars von Trier. A montagem é muito criativa, porque não contextualiza didaticamente o espectador nas premissas dessa espécie de jogo: o espectador entende suas regras à medida que o jogo é jogado, intensificando sua percepção. O próprio filme original (O Homem Perfeito) nunca é exibido por completo, apenas trechos esparsos ao longo do filme, à medida que suas partes são relacionadas com desafios específicos de uma das versões. Dessa forma, é um filme sobre o próprio processo de criação, sobre a impossibilidade da repetição no cinema e sobre como, mesmo com todas as restrições técnicas e temporais, ainda é possível manter um olhar, uma coerência, se realmente mergulha-se na essência do projeto, na essência do cinema. O relacionamento entre os dois cineastas é muito conflitante, um misto de admiração mútua e respeito, e de um desafio competitivo sádico e compulsivo. Nesse ponto, Lars está à vontade para expor suas obsessões, seu tom sádico, a câmera nervosa e reveladora das pequenas fraquezas de seus personagens, isto é, o tom típico de seu cinema. Ao mesmo tempo, o filme é muito carinhoso e respeitoso com o processo de criação, com a possibilidade de um sentimento de cinema surgir nas circunstâncias mais inóspitas. O filme também examina os limites, os caprichos e os desejos do artista, ou ainda até que ponto é preciso olhar a si mesmo de uma outra forma para prosseguir criando, para prosseguir como artista. Complexo, sádico e generoso, sempre criativo e instigante, As Cinco Obstruções ao final de um belo e sensível epílogo, coloca várias questões sobre o processo de criação, sobre a natureza do documentário, sobre os limites da condição humana, o que mais que compensa alguns cacoetes típicos de Lars, alguns deles desnecessários para o filme.
De Lars von Trier e Jorgen Leth
É tudo verdade, Odeon, 2 de abril, 15:30 hs
**½
É muito interessante ver um filme como As Cinco Obtruções num festival de documentário, porque a forma como o filme faz documentário é muito criativa. Sua estrutura é complexa: Lars von Trier convida um grande cineasta dinamarquês (Leth) mas meio esquecido para fazer cinco novas versões de um curta clássico do cinema dinamarquês dirigido pelo próprio Leth (O Homem Perfeito), sendo que Lars dita algumas regras que Leth tem que seguir rigorosamente. Versão 1) rodado em Cuba, com planos com no máximo 12 frames; versão 2) rodado num lugar miserável, com o próprio Leth de ator; versão 3) adaptação livre; versão 4) um cartoon; versão 5) imagens de Lars, com texto escrito por Lars e lido por Leth. O filme então se torna uma espécie de um making of dessas cinco versões, mostrando as dificuldades de Leth em acolher os caprichos sádicos de Lars von Trier. A montagem é muito criativa, porque não contextualiza didaticamente o espectador nas premissas dessa espécie de jogo: o espectador entende suas regras à medida que o jogo é jogado, intensificando sua percepção. O próprio filme original (O Homem Perfeito) nunca é exibido por completo, apenas trechos esparsos ao longo do filme, à medida que suas partes são relacionadas com desafios específicos de uma das versões. Dessa forma, é um filme sobre o próprio processo de criação, sobre a impossibilidade da repetição no cinema e sobre como, mesmo com todas as restrições técnicas e temporais, ainda é possível manter um olhar, uma coerência, se realmente mergulha-se na essência do projeto, na essência do cinema. O relacionamento entre os dois cineastas é muito conflitante, um misto de admiração mútua e respeito, e de um desafio competitivo sádico e compulsivo. Nesse ponto, Lars está à vontade para expor suas obsessões, seu tom sádico, a câmera nervosa e reveladora das pequenas fraquezas de seus personagens, isto é, o tom típico de seu cinema. Ao mesmo tempo, o filme é muito carinhoso e respeitoso com o processo de criação, com a possibilidade de um sentimento de cinema surgir nas circunstâncias mais inóspitas. O filme também examina os limites, os caprichos e os desejos do artista, ou ainda até que ponto é preciso olhar a si mesmo de uma outra forma para prosseguir criando, para prosseguir como artista. Complexo, sádico e generoso, sempre criativo e instigante, As Cinco Obstruções ao final de um belo e sensível epílogo, coloca várias questões sobre o processo de criação, sobre a natureza do documentário, sobre os limites da condição humana, o que mais que compensa alguns cacoetes típicos de Lars, alguns deles desnecessários para o filme.
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