Ikeda por Rosemberg
O cineasta Luiz Rosemberg Filho acabou escrevendo um texto sobre os meus vídeos. Fiquei muito contente com sua generosidade. Eu, que estou sempre acostumado a escrever textos sobre os filmes dos outros, agora pela primeira vez me defronto com um texto sobre os meus filmes. Um texto que desde já vou levar comigo. Segue aí o texto.
“Fomos dilacerados desde o nascimento. Somos apenas corpos descansando nas sombras da vida” T. Hijikata
O Aprendizado do Tempo
No espaço das imagens, ruas desertas, carros em movimento, edifícios fúnebres ao longe... E dentro de casa pedaços de janela, mesa, relógio, cadeira e móveis desarrumados em planos longuíssimos. A fixação das imagens edifica um processo de insatisfação criativa. E ao enfatizar o mundo dos objetos aprofunda uma fissura no tempo real do nosso ser. Ser-Espectador do vazio que ao não nos dar nenhuma significação imediata, nos fecha no nosso próprio desequilíbrio frente à vida. E então o caos interno e externo acompanhado de Beethoven, Satie ou mesmo do silêncio.
O tempo, os objetos e o espaço atuam como personagens de uma tragédia anunciada. A encenação de Marcelo Ikeda é um conflito entre o desconhecimento do fim, e a compreensão do humano na arquitetura da cidade grande. Faz do seu olhar a câmera que pouco ou nada se movimenta. O chamado herói trágico das suas histórias é ele mesmo, e o tempo indefinido de onde tudo parte. E no lugar de uma multiplicidade de ações idiotas como no cinemão, um leque aberto de idéias e contradições que ao reverenciar o lado sagrado do olhar, afirma um tempo diferente da TV. Profundamente pessoal é uma espécie de anti-Woody Allen, pois não vê graça em nada na triste existência humana.
Sua arte poética beira a uma certa pretensão religiosa com o cinema. Ikeda dá sacralidade ao olhar. Se perde e se transcende se expondo de maneira catártica. Estrangeiro diante de si mesmo, torna o outro um cúmplice dos seus muitos silêncios. A arquitetura da cidade entra aí como um espaço trágico de dores e perdas. Se está na cidade, mas não se está na vida-vivida. E o que seria a vida-vivida? Cada um que encontre ou não a sua resposta. Partindo dessa premissa, o eu-cineasta Ikeda amplia seus domínios na percepção física do tempo e do espaço.
Não se trata aqui de elogiar o cinema hipócrita do capital e os seus tantos pontos de estrangulamento da experimentação não-cabotina. O cinema de Marcelo Ikeda julga, faz pensar e agir. A casa, os objetos, os espaços, o tempo, o olhar... são estímulos contínuos que substanciam o nosso olhar, triturando a nossa excitação vazia como gênese da representação política maior, que é a do espetáculo pelo espetáculo. Deste ângulo o olhar passa a ser cúmplice da possível criação de uma idéia em imagens. E aí então o trabalho interior e exterior da criação profunda seja de um curta, de um longa ou de uma imagem pensada em profundidade como queria Walter Benjamin.
“Casulo”, “Entremeio”, “Alvorecer”, “Canção de Amor” e “Cinediário” dão legitimidade a um outro tempo para o olhar. Poderia se falar de influências indiretas, mas isso pouco ou nada somaria ao repúdio do jovem realizador ao processo simplificador do mercado. Claro que não são filmes para o Oscar. Mas o que seria um “filme” para o Oscar? “Central do Brasil”? “Cidade de Deus”? Ou a monumental bosta que dizem ter sido o “Olga” da TV Globo? Profundamente inventivo, Marcelo Ikeda busca outras referências não-televisivas. A prostituição do mercado no falseamento espetacular da história, opta por ser o seu próprio personagem trágico. E com imagens muito suas diz: “Eis-me como sou”.
E se não consegue ultrapassar o olhar não-sagrado do Outro, insere-se na purificação da sua catarse espiritual. E pouco ocultando seus sacrifícios, desdobra-se como economista e animador cultural sem deixar de ser um sagaz porta-voz da experimentação. Seus muitos trabalhos são tiros frontais na publicidade e na TV. Não pede compreensão e sim uma espécie de força-clínica abstrata. Ora, se uma imagem é a latente subjetividade de quem a cria, que importância essa imagem pode ter para outras pessoas? A resposta fica sendo a própria pergunta. Ou seja, ao se atribuir intencionalidade à subjetividade fundem-se as tantas expressões físicas a múltiplas sensações particulares. E no jogo da não-identificação (muito comum nos maus filmes), fixam-se intervenções lingüísticas, novas.
Marcelo Ikeda não está fazendo novelões baratos, e sim expondo as suas fragilidades aliada a um tempo dilatado que acaba por fundamentar o seu papel de criador moderno ao lapidar a construção de uma idéia com a necessidade de experimentar um alongamento do tempo simbólico. Ou seja, é o cinema experimental o seu meio de transcender as questões menores da vida. Questões menores que deslizam por toda a nossa existência. É a liberdade que imediatamente cria o seu oposto. Então é mais uma vez a casa, os objetos, o trabalho, as perdas amorosas... Como Picasso gostava de dizer: “Cada ato de criação é precedido por um ato de destruição”. Talvez esse seja o começo de alguma coisa nova no cinema de Marcelo Ikeda.
Luiz Rosemberg Filho – jan/2005
“Fomos dilacerados desde o nascimento. Somos apenas corpos descansando nas sombras da vida” T. Hijikata
O Aprendizado do Tempo
No espaço das imagens, ruas desertas, carros em movimento, edifícios fúnebres ao longe... E dentro de casa pedaços de janela, mesa, relógio, cadeira e móveis desarrumados em planos longuíssimos. A fixação das imagens edifica um processo de insatisfação criativa. E ao enfatizar o mundo dos objetos aprofunda uma fissura no tempo real do nosso ser. Ser-Espectador do vazio que ao não nos dar nenhuma significação imediata, nos fecha no nosso próprio desequilíbrio frente à vida. E então o caos interno e externo acompanhado de Beethoven, Satie ou mesmo do silêncio.
O tempo, os objetos e o espaço atuam como personagens de uma tragédia anunciada. A encenação de Marcelo Ikeda é um conflito entre o desconhecimento do fim, e a compreensão do humano na arquitetura da cidade grande. Faz do seu olhar a câmera que pouco ou nada se movimenta. O chamado herói trágico das suas histórias é ele mesmo, e o tempo indefinido de onde tudo parte. E no lugar de uma multiplicidade de ações idiotas como no cinemão, um leque aberto de idéias e contradições que ao reverenciar o lado sagrado do olhar, afirma um tempo diferente da TV. Profundamente pessoal é uma espécie de anti-Woody Allen, pois não vê graça em nada na triste existência humana.
Sua arte poética beira a uma certa pretensão religiosa com o cinema. Ikeda dá sacralidade ao olhar. Se perde e se transcende se expondo de maneira catártica. Estrangeiro diante de si mesmo, torna o outro um cúmplice dos seus muitos silêncios. A arquitetura da cidade entra aí como um espaço trágico de dores e perdas. Se está na cidade, mas não se está na vida-vivida. E o que seria a vida-vivida? Cada um que encontre ou não a sua resposta. Partindo dessa premissa, o eu-cineasta Ikeda amplia seus domínios na percepção física do tempo e do espaço.
Não se trata aqui de elogiar o cinema hipócrita do capital e os seus tantos pontos de estrangulamento da experimentação não-cabotina. O cinema de Marcelo Ikeda julga, faz pensar e agir. A casa, os objetos, os espaços, o tempo, o olhar... são estímulos contínuos que substanciam o nosso olhar, triturando a nossa excitação vazia como gênese da representação política maior, que é a do espetáculo pelo espetáculo. Deste ângulo o olhar passa a ser cúmplice da possível criação de uma idéia em imagens. E aí então o trabalho interior e exterior da criação profunda seja de um curta, de um longa ou de uma imagem pensada em profundidade como queria Walter Benjamin.
“Casulo”, “Entremeio”, “Alvorecer”, “Canção de Amor” e “Cinediário” dão legitimidade a um outro tempo para o olhar. Poderia se falar de influências indiretas, mas isso pouco ou nada somaria ao repúdio do jovem realizador ao processo simplificador do mercado. Claro que não são filmes para o Oscar. Mas o que seria um “filme” para o Oscar? “Central do Brasil”? “Cidade de Deus”? Ou a monumental bosta que dizem ter sido o “Olga” da TV Globo? Profundamente inventivo, Marcelo Ikeda busca outras referências não-televisivas. A prostituição do mercado no falseamento espetacular da história, opta por ser o seu próprio personagem trágico. E com imagens muito suas diz: “Eis-me como sou”.
E se não consegue ultrapassar o olhar não-sagrado do Outro, insere-se na purificação da sua catarse espiritual. E pouco ocultando seus sacrifícios, desdobra-se como economista e animador cultural sem deixar de ser um sagaz porta-voz da experimentação. Seus muitos trabalhos são tiros frontais na publicidade e na TV. Não pede compreensão e sim uma espécie de força-clínica abstrata. Ora, se uma imagem é a latente subjetividade de quem a cria, que importância essa imagem pode ter para outras pessoas? A resposta fica sendo a própria pergunta. Ou seja, ao se atribuir intencionalidade à subjetividade fundem-se as tantas expressões físicas a múltiplas sensações particulares. E no jogo da não-identificação (muito comum nos maus filmes), fixam-se intervenções lingüísticas, novas.
Marcelo Ikeda não está fazendo novelões baratos, e sim expondo as suas fragilidades aliada a um tempo dilatado que acaba por fundamentar o seu papel de criador moderno ao lapidar a construção de uma idéia com a necessidade de experimentar um alongamento do tempo simbólico. Ou seja, é o cinema experimental o seu meio de transcender as questões menores da vida. Questões menores que deslizam por toda a nossa existência. É a liberdade que imediatamente cria o seu oposto. Então é mais uma vez a casa, os objetos, o trabalho, as perdas amorosas... Como Picasso gostava de dizer: “Cada ato de criação é precedido por um ato de destruição”. Talvez esse seja o começo de alguma coisa nova no cinema de Marcelo Ikeda.
Luiz Rosemberg Filho – jan/2005
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luiz pretti