(FestRio) A Última Vida no Universo

A Última Vida no Universo
De Pen-Ek Ratanaruang
Tailândia, 2003
Espaço Unibanco sexta 16:30
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O projeto de Ratanaruang é de um cinema-limite, como o próprio título já demonstra. A Última Vida no Universo se esforça para ser o testamento de um mundo em decomposição, e Ratanaruang se questiona sobre o valor da amizade e a possibilidade de contato entre duas naturezas distintas, além da própria possibilidade de o Homem mudar o seu próprio rumo das coisas, encarar seu destino. A morte, portanto, é um tema comum, em torno do qual as criaturas de Ratanaruang sempre devem se posicionar, seja a morte do outro (uma morte íntima) quanto a sua própria morte. O cruzamento das duas personagens marginais acontece por isso mesmo, através do cruzamento da morte. Uma irmã atropela a outra; um irmão leva o outro a ter que se “matar”. O que nos é mais querido é posto em problematização: a intimidade e a questão da família. Numa das mais belas passagens do filme, a mulher diz que “às vezes” sente falta de sua irmã; perguntado o mesmo, ele responde que “na verdade não”. É na simetria da diferença que os dois personagens carinhosamente se cruzam, e o filme evita o mero entrecho amoroso, que seria a solução primária mais natural. Nisso é sintomática a cena que é o próprio cartaz do filme: os dois corpos estirados no sofá, em contato corporal e desarticulados em sua distância: desfiguração e configuração dos corpos; possibilidade de contato e distância afetiva. A Última Vida no Universo será então quase um grito desesperado de alguém que não sabe bem o que fazer: não existe uma proposta nítida de construção de um cinema, apenas a das relações entre os corpos e a dos destinos. Os cruzamentos passam a ser função do acaso e do destino: o telefone toca e a partir de então a natureza desorganizada do quarto da mulher passa a ter uma necessidade endógina de um contato. Ratanaruang busca algumas vezes a comédia como forma de uma auto-crítica, trilhando pelas referências ao cinema de gênero (seja pela televisão, seja pelo desfecho final, como nos filmes da Yakuza). A incomunicabilidade é outra referência nítida, entre as línguas e as culturas, mas o problema da comunicação se reflete pelo corpo e pela disposição do espaço (é só compararmos o apartamento de um e de outro personagem). O começo rigoroso com os espaços vazios, a voz em off, o fora-do-quadro nos momentos de violência, a “ternura partida”: elementos que tornam esse pequeno projeto desse excêntrico diretor tailandês boa referência para o cinéfilo brasileiro que só agora conhece uma obra do diretor. Esperemos as próximas.

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