(FestRio) Água-Viva
Água-Viva
De Kiyoshi Kurosawa
Japão 2003
Esp Unibanco 2 qua 22hs
**
Em algumas medidas Água-Viva é bem diferente e bem parecido com Carisma, o único outro filme de KK exibido por aqui (e ainda assim no FestRio). Diferente pq aqui não se trata de fazer o estereótipo do cinema de arte: Água-Viva é um filme de jovens e para jovens, sem o tom cerimonioso de Carisma. Por outro lado, um trabalho de continuidade, seja por utilizar um elemento “estranho” da natureza que misteriosamente age sobre os humanos, seja por, através disso, mostrar uma inadaptação do Homem ao seu meio, por meio de uma melancolia e na ação como sinal de erro e de descoberta.
Kurosawa realiza um projeto com um “realismo mágico”: a água-viva é o ser que consegue se “adaptar ao meio”, consegue crescer mesmo com as condições parecendo inóspitas. Essa espécie de “seleção natural” e sua relação com o destino dos personagens é o mote do filme de Kurosawa. Um certo tom mórbido/sombrio/doentio está em Mamoru (o que é preso): assim como a Água-Viva, ele é “venenoso”, destrói/mata aquele que o toca. Nem precisa falar que essa “distância afetiva”, essa impossibilidade de invadir a intimidade do outro é explorada por Kurosawa como o típico cinema japonês. Ao mesmo tempo que Yuji diz que vai esperar por Mamoru por “mais vinte anos”, existe uma frieza com que Mamoru recebe a possibilidade de afeto de quem quer que seja. A enigmática/fria Água-Viva é o símbolo desse companheirismo que não tem resposta, espelho de ser, a impossibilidade da palavra. Claro, expressar os sentimentos, ou exatamente essa dificuldade, está expresso no filme: na exagerada bronca do pai de Mamoru a Yuji (num belo plano-sequência em que após um grande esporro o velho diz, “não queria ser tão duro”), ou quando no mesmo momento em que Yuji se declara, Mamoru diz que não quer vê-lo mais. Essa dificuldade do toque, porque os seres são venenosos, provoca um cinema da desconfiança, da melancolia (a proliferação das águas-vivas pelo rio é algo meio patético, meio poético), mas também da dificuldade do “que fazer” (usando a minha terminologia...rs), que diretamente se associa à vida de uma juventude (o irônico “bright future” do plano final do filme, um longo travelling com os jovens com camisa de Che Guevara chutando caixas de papelão vazias).
Kurosawa tenta adotar um estilo relaxado, na composição do quadro, no corte, e ao mesmo tempo moderno, anti-clássico (corte seco de som, câmera na mão, misto entre diversas bitolas, inclusive do filme para o digital, composição de corte da câmera em movimento para o plano seguinte com câmera parada, etc.) que tentam dar ao filme uma dinâmica interna, mas nesse ponto fracassa. O roteiro cai em alguns lugares-comuns de desenvolvimento (o emprego na fábrica, o arrastar dos móveis, as visitas na prisão, o roubo dos moleques com máscaras estranhas, etc) e ao mesmo tempo tem boas sacadas (a elipse do enterro, a aparição fantasmagórica de Mamoru, outras), que só comprovam que Água-Viva é um trabalho muito menos coerente e equilibrado que Carisma, mas que tem seus méritos. Um filme de entressafra que no fundo mais desaponta do que mostra realmente algo novo.
De Kiyoshi Kurosawa
Japão 2003
Esp Unibanco 2 qua 22hs
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Em algumas medidas Água-Viva é bem diferente e bem parecido com Carisma, o único outro filme de KK exibido por aqui (e ainda assim no FestRio). Diferente pq aqui não se trata de fazer o estereótipo do cinema de arte: Água-Viva é um filme de jovens e para jovens, sem o tom cerimonioso de Carisma. Por outro lado, um trabalho de continuidade, seja por utilizar um elemento “estranho” da natureza que misteriosamente age sobre os humanos, seja por, através disso, mostrar uma inadaptação do Homem ao seu meio, por meio de uma melancolia e na ação como sinal de erro e de descoberta.
Kurosawa realiza um projeto com um “realismo mágico”: a água-viva é o ser que consegue se “adaptar ao meio”, consegue crescer mesmo com as condições parecendo inóspitas. Essa espécie de “seleção natural” e sua relação com o destino dos personagens é o mote do filme de Kurosawa. Um certo tom mórbido/sombrio/doentio está em Mamoru (o que é preso): assim como a Água-Viva, ele é “venenoso”, destrói/mata aquele que o toca. Nem precisa falar que essa “distância afetiva”, essa impossibilidade de invadir a intimidade do outro é explorada por Kurosawa como o típico cinema japonês. Ao mesmo tempo que Yuji diz que vai esperar por Mamoru por “mais vinte anos”, existe uma frieza com que Mamoru recebe a possibilidade de afeto de quem quer que seja. A enigmática/fria Água-Viva é o símbolo desse companheirismo que não tem resposta, espelho de ser, a impossibilidade da palavra. Claro, expressar os sentimentos, ou exatamente essa dificuldade, está expresso no filme: na exagerada bronca do pai de Mamoru a Yuji (num belo plano-sequência em que após um grande esporro o velho diz, “não queria ser tão duro”), ou quando no mesmo momento em que Yuji se declara, Mamoru diz que não quer vê-lo mais. Essa dificuldade do toque, porque os seres são venenosos, provoca um cinema da desconfiança, da melancolia (a proliferação das águas-vivas pelo rio é algo meio patético, meio poético), mas também da dificuldade do “que fazer” (usando a minha terminologia...rs), que diretamente se associa à vida de uma juventude (o irônico “bright future” do plano final do filme, um longo travelling com os jovens com camisa de Che Guevara chutando caixas de papelão vazias).
Kurosawa tenta adotar um estilo relaxado, na composição do quadro, no corte, e ao mesmo tempo moderno, anti-clássico (corte seco de som, câmera na mão, misto entre diversas bitolas, inclusive do filme para o digital, composição de corte da câmera em movimento para o plano seguinte com câmera parada, etc.) que tentam dar ao filme uma dinâmica interna, mas nesse ponto fracassa. O roteiro cai em alguns lugares-comuns de desenvolvimento (o emprego na fábrica, o arrastar dos móveis, as visitas na prisão, o roubo dos moleques com máscaras estranhas, etc) e ao mesmo tempo tem boas sacadas (a elipse do enterro, a aparição fantasmagórica de Mamoru, outras), que só comprovam que Água-Viva é um trabalho muito menos coerente e equilibrado que Carisma, mas que tem seus méritos. Um filme de entressafra que no fundo mais desaponta do que mostra realmente algo novo.
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