(FestRio) Da Terra do Silêncio

Da Terra do Silêncio
De Saman Salur
Irã 2003
Est Botafogo 2 20:30
***
Só fui ver esse filme porque era bem curtinho (70´) e numa brecha da programação, enquanto esperava Undertow. Acabou sendo o melhor filme do dia (oh!). Estou meio de saco cheio do cinema iraniano, mas não dá pra evitar que, apesar desse cinema EM GERAL estar meio se repetindo e já não ter muito mais o que propor (pelo menos pelo que conhecemos; dadas as exceções como um Ten, ...), existe uma simplicidade do olhar e uma coerência que servem como exemplo para os realizadores brasileiros. Da Terra do Silêncio é um filme de estreante, e se encaixa perfeitamente no que eu considero (oh!) que deva ser um filme de estreante: um filme de descoberta, um filme com um desejo pela linguagem, uma declaração de princípios do que se busca no cinema. Com toda a simplicidade e o look meio documental típicos do cinema iraniano, é nítido o desejo pela linguagem como sinal de descoberta: as corridas dos meninos pelo deserto são filmadas sempre de novos ângulos, com câmera alta, baixa, plano geral, câmera na mão, câmera estática, plano seqüência, sequência de montagem, jogos de luz entre interior e exterior, macros, grande angulares, teles, etc etc, que dão ao filme um olhar apaixonante para quem se importa com essas coisas. Para além disso (ou para quem não se importa) existe uma história muito singela: o de uma fuga e de um encontro. Dois irmãos (crianças) com uma rotina intensa de trabalho, envolvido com transações ilícitas (vendendo ópio ou roubando gasolina de caminhões), encontram-se com um estrangeiro (da cidade) que quer se matar, enforcando-se num catavento (ou moinho, sei-lá). Esse fiapo de história (o encontro acontece lá pra 50 minutos de filme) nunca torna o filme um “filme moralista” ou “um filme de entrecho”. A habilidade de Saman Salur é fazer que o enredo brote do cotidiano do filme: não é à toa que os primeiros 30 minutos descrevem, com minúcia absolutamente documental, a rotina de trabalho dos dois irmãos, com praticamente nenhum diálogo. Pode parecer sacal, mas é absolutamente estimulante, dadas as variações dos elementos de linguagem (já citados) usadas pelo diretor, e em como do dia-a-dia surge um olhar sobre os personagens (a solidão, a rotina massificadora, o trabalho ilícito) que brotam naturalmente por um estilo de dramaturgia concentrado nas ações físicas. O contato do menino com o estrangeiro remete a momentos singelos (o cineasta provavelmente é da cidade, então o filme claramente problematiza o papel do encontro como o da própria construção do filme, e nisso o cineasta tem um papel de grande humildade sobre a possibilidade do conhecimento...): a mulher precisa fazer uma declaração de amor ao marido pelo celular, mas como ele está distante (no alto do catavento preparando seu suicídio), a declamação é feita através do menino, que lhe passa, frase a frase, o “recado”. De forma simples, está em jogo o papel da linguagem, sua possibilidade de expressar os sentimentos, a essência dos sentimentos, ou ainda, a questão da distância afetiva, da pessoalidade (sic) da linguagem. Ao final, uma despedida implícita, uma transformação, a vida continua: simples, bonito, singelo filme.

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