(FestRio 3): Kill Bill, v. 2
KILL BILL VOL. 2
De Quentin Tarantino
EUA, 2004
Cabines Odeon seg 19hs
****
Bom, até que não foi tão estressante para conseguir entrar na tão aguardada cabine de Kill Bill 2. Mas valeu a pena: Kill Bill é uma experiência extraordinária, um tipo de filme que não existe mais no atual cinema americano. Ao mesmo tempo em que é um trabalho absolutamente pop, voltado para o público, é um filme intensamente pessoal, intensamente envolvido com a necessidade de buscar novos recursos expressivos para o cinema, apaixonado pelo cinema em cada um dos seus inúmeros planos e efeitos. E mais: absolutamente, absolutamente humano, e talvez isso é que seja o mais surpreendente em Kill Bill (voltaremos a isso). Ao contrário dos Tróias da vida, a ultra-produção de Kill Bill nunca oprime o filme, nunca é sinal de covardia: por isso Kill Bill é a quintessência do cinema americano no que ele tem de melhor, no seu fascínio pelo envolvimento do espectador e desenvolver um subconsciente coletivo, no delírio da produção e da narrativa aliada a um desejo expressivo.
Mas como dizíamos, Kill Bill é profundamente humano, e isso desvela se forma tão clara no final do vol 2 que é impossível não vê-lo como uma das experiências mais emocionantes do cinema dos últimos tempos. A fantástica e tresloucada saga de Beatrix Kiddo (The Bride) em busca de sua vingança acaba se tornando um grande melodrama. Kill Bill ao seu final, e não é nos últimos 2 minutos, é na sua meia hora final, se revela um filme almodovariano, belíssimo, vira um Tudo Sobre Minha Mãe, vira um olhar sobre a impossibilidade da vingança, sobre a humanidade de seus personagens. A criança, a filha brincando de bang-bang, retoma a inocência da criação de Tarantino: tudo, todo o filme, é uma grande brincadeira, o cinema volta a ser o maior parque de diversões que uma criança poderia ter, na expressão de Orson Welles. Toda a saga sanguinária, todo o épico sanguinolento acaba sendo pura brincadeira ingênua de dois adultos bobalhões que se amam, espelho de ciúme, carência, inocência. Espelho do cinema, do cinema de travessuras, da possibilidade de transfiguração do real, do desejo pelo outro, de humanidade. A lição de Kill Bill é a maior lição do mundo, prova de um cineasta em sua absoluta maioridade: as travessuras e os cacoetes do cinema de Tarantino viram espelho de uma ética, de uma busca que a única vida possível é a vida do cinema, do desejo tolo, insano que o cinema possa ser maior do que a vida, etc etc.
Kill Bill é tbem acima de tudo uma declaração de amor a uma atriz. Uma Thurmann, fantástica, tem um trabalho indizível, que oscila de um extraordinário envolvimento pessoal (ela passou meses treinando aikidô sei-la-o-que) além do fato de o próprio Tarantino ter adiado o filme em um ano para esperar por ela (Como Sternberg poderia filmar sem Marlene Dietrich? – replicaria Tarantino). Uma tem um trabalho de enorme dificuldade, pois oscila momentos de enorme atividade física com outroa de intensa contenção e capacidade expressiva: ela oscila da força física a momentos de intenso drama em alguns microsegundos.
Kill Bill é uma declaração de amor ao cinema. Trabalho ambicioso sem ser pretensioso, Kill Bill une o cinema americano clássico, passando por Sergio Leone e os westerns de Corbucci, até o cinema oriental (referência básica) e os melodramas latinos, fazendo uma ponte entre diferentes visões de mundo absolutamente diferentes, com respeito, carinho, intimidade e profundo conhecimento de causa, fazendo um trabalho multicultural ambicioso que merece ser melhor pensado. Tresloucado quanto ao uso da linguagem (flashbacks e flashforwards, gruas, seqüências de ação, cinemascope, o enterro de Uma quanto a tela fica totalmente preta por vários segundos só com som, combinação de cores, etc etc).
Há muito para ser dito sobre Kill Bill. Um deles é sobre uma idéia de preparação. Em Kill Bill há preparação o tempo todo e ao mesmo tempo ele joga toda a idéia de preparação no ralo. Isso porque Tarantino é muito mais esperto que se pode imaginar, do que se pode rotular, e ele busca instintivamente novos recursos experssivos. Exemplo clássico: a cena da cobra que morde o cowboy mandado pela D. Hannah. O tempo todo há preparação, há suspense no ar em cenas bobas: um drink preparado no liquidificador, uma mala vermelha, o cômodo apertado em que os personagens ficam de costas um para o outro, etc, etc. Algo vai acontecer, mas não se sabe quando. Vai acontecer agora, não acontece, vai ser agora, e ainda não, etcetc. Até que de repente acontece mesmo, sem preparação. A preparação não é contínua: é um exercício de sadismo, é dar um pouco e tirar, dar mais um pouco e tirar, até que de repente vai tudo mesmo. É a conta-gotas, até que quando se menos espera, vira-se o vidro todo. Kill Bill todo é assim.
Kill Bill é um trabalho de divisa no cinema americano de hoje, um trabalho marcante, para ser visto e revisto, daqueles que marcam uma geração de cinéfilos. Um trabalho ambicioso que dá certo. Um trabalho para um público de massa que marca uma época. Senti isso antes, durante, depois da projeção de Kill Bill. Um trabalho que marca a maturidade de um cineasta. Um trabalho de cinema na sua plenitude. É um trabalho distante de mim, do que busco no cinema, mas é absolutamente admirável: eu que sempre gostei dos menores filmes (Não Amarás, O sol do marmeleiro, ...) não posso deixar de me extasiar com o grande, com o ambicioso e delirante Kill Bill. Trabalho de gênio, trabalho de um menino que vive para o cinema, filme apaixonado, um trabalho que pronto dá a impressão de que vale a pena viver se for para realizar algo do tipo. Viva o cinema.
De Quentin Tarantino
EUA, 2004
Cabines Odeon seg 19hs
****
Bom, até que não foi tão estressante para conseguir entrar na tão aguardada cabine de Kill Bill 2. Mas valeu a pena: Kill Bill é uma experiência extraordinária, um tipo de filme que não existe mais no atual cinema americano. Ao mesmo tempo em que é um trabalho absolutamente pop, voltado para o público, é um filme intensamente pessoal, intensamente envolvido com a necessidade de buscar novos recursos expressivos para o cinema, apaixonado pelo cinema em cada um dos seus inúmeros planos e efeitos. E mais: absolutamente, absolutamente humano, e talvez isso é que seja o mais surpreendente em Kill Bill (voltaremos a isso). Ao contrário dos Tróias da vida, a ultra-produção de Kill Bill nunca oprime o filme, nunca é sinal de covardia: por isso Kill Bill é a quintessência do cinema americano no que ele tem de melhor, no seu fascínio pelo envolvimento do espectador e desenvolver um subconsciente coletivo, no delírio da produção e da narrativa aliada a um desejo expressivo.
Mas como dizíamos, Kill Bill é profundamente humano, e isso desvela se forma tão clara no final do vol 2 que é impossível não vê-lo como uma das experiências mais emocionantes do cinema dos últimos tempos. A fantástica e tresloucada saga de Beatrix Kiddo (The Bride) em busca de sua vingança acaba se tornando um grande melodrama. Kill Bill ao seu final, e não é nos últimos 2 minutos, é na sua meia hora final, se revela um filme almodovariano, belíssimo, vira um Tudo Sobre Minha Mãe, vira um olhar sobre a impossibilidade da vingança, sobre a humanidade de seus personagens. A criança, a filha brincando de bang-bang, retoma a inocência da criação de Tarantino: tudo, todo o filme, é uma grande brincadeira, o cinema volta a ser o maior parque de diversões que uma criança poderia ter, na expressão de Orson Welles. Toda a saga sanguinária, todo o épico sanguinolento acaba sendo pura brincadeira ingênua de dois adultos bobalhões que se amam, espelho de ciúme, carência, inocência. Espelho do cinema, do cinema de travessuras, da possibilidade de transfiguração do real, do desejo pelo outro, de humanidade. A lição de Kill Bill é a maior lição do mundo, prova de um cineasta em sua absoluta maioridade: as travessuras e os cacoetes do cinema de Tarantino viram espelho de uma ética, de uma busca que a única vida possível é a vida do cinema, do desejo tolo, insano que o cinema possa ser maior do que a vida, etc etc.
Kill Bill é tbem acima de tudo uma declaração de amor a uma atriz. Uma Thurmann, fantástica, tem um trabalho indizível, que oscila de um extraordinário envolvimento pessoal (ela passou meses treinando aikidô sei-la-o-que) além do fato de o próprio Tarantino ter adiado o filme em um ano para esperar por ela (Como Sternberg poderia filmar sem Marlene Dietrich? – replicaria Tarantino). Uma tem um trabalho de enorme dificuldade, pois oscila momentos de enorme atividade física com outroa de intensa contenção e capacidade expressiva: ela oscila da força física a momentos de intenso drama em alguns microsegundos.
Kill Bill é uma declaração de amor ao cinema. Trabalho ambicioso sem ser pretensioso, Kill Bill une o cinema americano clássico, passando por Sergio Leone e os westerns de Corbucci, até o cinema oriental (referência básica) e os melodramas latinos, fazendo uma ponte entre diferentes visões de mundo absolutamente diferentes, com respeito, carinho, intimidade e profundo conhecimento de causa, fazendo um trabalho multicultural ambicioso que merece ser melhor pensado. Tresloucado quanto ao uso da linguagem (flashbacks e flashforwards, gruas, seqüências de ação, cinemascope, o enterro de Uma quanto a tela fica totalmente preta por vários segundos só com som, combinação de cores, etc etc).
Há muito para ser dito sobre Kill Bill. Um deles é sobre uma idéia de preparação. Em Kill Bill há preparação o tempo todo e ao mesmo tempo ele joga toda a idéia de preparação no ralo. Isso porque Tarantino é muito mais esperto que se pode imaginar, do que se pode rotular, e ele busca instintivamente novos recursos experssivos. Exemplo clássico: a cena da cobra que morde o cowboy mandado pela D. Hannah. O tempo todo há preparação, há suspense no ar em cenas bobas: um drink preparado no liquidificador, uma mala vermelha, o cômodo apertado em que os personagens ficam de costas um para o outro, etc, etc. Algo vai acontecer, mas não se sabe quando. Vai acontecer agora, não acontece, vai ser agora, e ainda não, etcetc. Até que de repente acontece mesmo, sem preparação. A preparação não é contínua: é um exercício de sadismo, é dar um pouco e tirar, dar mais um pouco e tirar, até que de repente vai tudo mesmo. É a conta-gotas, até que quando se menos espera, vira-se o vidro todo. Kill Bill todo é assim.
Kill Bill é um trabalho de divisa no cinema americano de hoje, um trabalho marcante, para ser visto e revisto, daqueles que marcam uma geração de cinéfilos. Um trabalho ambicioso que dá certo. Um trabalho para um público de massa que marca uma época. Senti isso antes, durante, depois da projeção de Kill Bill. Um trabalho que marca a maturidade de um cineasta. Um trabalho de cinema na sua plenitude. É um trabalho distante de mim, do que busco no cinema, mas é absolutamente admirável: eu que sempre gostei dos menores filmes (Não Amarás, O sol do marmeleiro, ...) não posso deixar de me extasiar com o grande, com o ambicioso e delirante Kill Bill. Trabalho de gênio, trabalho de um menino que vive para o cinema, filme apaixonado, um trabalho que pronto dá a impressão de que vale a pena viver se for para realizar algo do tipo. Viva o cinema.
Comentários
abraço
irmãos pretti
Um abraço,
Bruno Amato Reame
Minha vida tá uma correria, tá tudo bombando! É foda ver três filmes tão impactantes em uma semana, isto ANTES de começar o Festival do Rio, que é uma loucura...
Aí, Bruno a sessão dupla de Kill Bill é obrigatória, agora, talvez precise de um intervalo entre a parte 1 e 2, não sei...